Quando o consumismo é doença
Eles inventaram a palavra marketing. Foram os primeiros a criar cursos de publicidade e a oferecer prêmios para os maiores vendedores. Vivem no país mais consumista do mundo. E, pasmem, não aguentam mais o assédio da propaganda. O desconforto crescente dos americanos contra a avalanche de telefonemas oferecendo produtos e serviços levou o presidente George W. Bush a declarar guerra. Depois do Afeganistão e do Iraque, o próximo alvo da sanha bélica do presidente dos Estados Unidos é o… telemarketing.
Foi criado este mês um cadastro nacional contra ligações. Pelo número 1-888-382-12221-888-382-1222 ou pela internet (www.donotcall.gov) os consumidores que queiram impedir ligações de operadoras de telemarketing poderão se inscrever gratuitamente. O cadastro não incluirá as chamadas de políticos, religiosos e organizações filantrópicas. A partir do dia primeiro de outubro, as operadoras que ligarem para os consumidores inscritos no cadastro pagarão multa no valor de onze mil dólares.
Esta nova lei é apenas um exemplo de como o estilo de vida consumista está sendo cada vez mais questionado em solo americano. No relatório “Perspectivas sobre a Criança e a Mídia”, produzido pela Unesco no ano 2000, os pesquisadores advertem que as crianças são as maiores vítimas dessa overdose de propaganda. O estudo revela que as empresas americanas destinam aproximadamente 12 bilhões de dólares por ano com anúncios para crianças. Alguém poderá perguntar: por que gastar tudo isso com o público infantil? A resposta virá em números: atualmente as crianças americanas influenciam compras que totalizam 500 bilhões de dólares. Indefesas diante dos inúmeros recursos utilizados pela publicidade para estimular o consumo – manipulação de sons, imagens e arquétipos que agem sobre o inconsciente – as crianças padecem horrores.
Segundo os pesquisadores da UNESCO, um dos males decorrentes do consumismo infantil é a obesidade, uma doença que já é considerada problema de saúde pública nos Estados Unidos. Os comerciais de doces, biscoitos, guloseimas e redes de fast food que recorrem aos truques da animação gráfica ou ao auxílio luxuoso dos super-heróis da TV – que aparecem bem na função de garotos-propaganda – hipnotizam a garotada.
Um outro problema denunciado no relatório é o stress familiar. Quando quem sustenta a casa é obrigado a dizer “não” a um apelo consumista que parte do filho, da filha, do companheiro ou companheira, o resultado costuma ser desgastante. Brigas, conflitos, disputas e eventualmente, um desejo tão grande de ter aquilo que a propaganda exibe, que não se medem esforços – ou escrúpulos – para alcançar o objetivo. Daí para os pequenos roubos e furtos pode ser um pulo.
A banalização do consumo remete a um questionamento sobre o papel da mídia na sociedade moderna. Nos primórdios da publicidade, os profissionais do ramo se preocupavam apenas em explicar o que era e para que servia um determinado produto. Hoje, isso mudou bastante, como explica Rolf Jensen, autor do livro, The Dream Society (A sociedade do sonho) : “Os produtos no futuro deverão apelar para os nossos corações e não para nossas cabeças. Quando isso acontecer, o modelo que prevalecerá não será mais o da Sociedade da Informação, mas o da Sociedade dos Sonhos”.
Há algo de inquietante nessa previsão. É difícil imaginar um mundo de sonhos, num planeta onde a publicidade alcança indistintamente ricos e pobres (muito mais pobres do que ricos), que são seduzidos pelos mesmos apelos vorazes de consumo, mas não respondem da mesma maneira a esses apelos. Em resumo: quem tem dinheiro banca o “sonho”, quem não tem, lida com o fracasso, com a frustração, e com a angústia de viver numa sociedade de consumo que privilegia não o que se é, mas o que se tem.
Para piorar a situação, mesmo que tem cacife para bancar o “sonho”, muitas vezes mergulha no pesadelo de não conseguir preencher o vazio existencial que continua incomodando mesmo com a carteira recheada de dinheiro, cartões de crédito e talões de cheque.
A doença do consumismo tem nome e preocupa as autoridades na área de saúde do Brasil: chama-se oneomania, ou consumo compulsivo. Segundo dados do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, três em cada dez brasileiros, a maioria mulheres, compram compulsivamente. É gente que usufrui apenas o momento da compra, mas não o produto, que muitas vezes é deixado de lado sem utilidade alguma. A baixa estima e o sentimento de vazio são constantes. Depois da compra vem a sensação de culpa.
Em uma ótima reportagem sobre o assunto publicada no jornal “O Estado de Minas”, a psiquiatra e psicoterapeuta Ana Ester Nogueira Pinto explica: “Uma pessoa normal tem o impulso mas é capaz de resistir. O compulsivo gasta sempre mais do que pode, se prejudicando financeiramente. Normalmente as dívidas dos doentes chegam a cinco ou dez vezes mais do que a renda mensal”. Os consumidores compulsivos são em sua maioria pessoas angustiadas ou ansiosas que tentam preencher os sufocar essa sensação através da compulsão. O tratamento psicológico é acompanhado do uso de antidepressivos e ansiolíticos.
O gerente do Procon em Belo Horizonte, Bruno Burgarelli, denuncia na reportagem a falta de clareza nas informações sobre compras parceladas e os juros das prestações. ” A publicidade enganosa e abusiva acaba induzindo ao erro, seja por ação ou omissão”.
Vem da terra do Tio Sam – templo sagrado do consumismo – uma bela lição em forma de música. Na trilha sonora do desenho animado “Mogli – o menino lobo” (Disney, 1967), o urso Baloo, responsável pela educação de Mogli numa selva repleta de predadores, cantarolava a música “Bare Necessites”, que trazia o seguinte refrão traduzido assim para o português : “Necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais”.
Vivemos num planeta que oferece o necessário para todos. Se ainda assim não conseguimos ser felizes, talvez a culpa seja nossa.
André Trigueiro*
*André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).
Foi criado este mês um cadastro nacional contra ligações. Pelo número 1-888-382-12221-888-382-1222 ou pela internet (www.donotcall.gov) os consumidores que queiram impedir ligações de operadoras de telemarketing poderão se inscrever gratuitamente. O cadastro não incluirá as chamadas de políticos, religiosos e organizações filantrópicas. A partir do dia primeiro de outubro, as operadoras que ligarem para os consumidores inscritos no cadastro pagarão multa no valor de onze mil dólares.
Esta nova lei é apenas um exemplo de como o estilo de vida consumista está sendo cada vez mais questionado em solo americano. No relatório “Perspectivas sobre a Criança e a Mídia”, produzido pela Unesco no ano 2000, os pesquisadores advertem que as crianças são as maiores vítimas dessa overdose de propaganda. O estudo revela que as empresas americanas destinam aproximadamente 12 bilhões de dólares por ano com anúncios para crianças. Alguém poderá perguntar: por que gastar tudo isso com o público infantil? A resposta virá em números: atualmente as crianças americanas influenciam compras que totalizam 500 bilhões de dólares. Indefesas diante dos inúmeros recursos utilizados pela publicidade para estimular o consumo – manipulação de sons, imagens e arquétipos que agem sobre o inconsciente – as crianças padecem horrores.
Segundo os pesquisadores da UNESCO, um dos males decorrentes do consumismo infantil é a obesidade, uma doença que já é considerada problema de saúde pública nos Estados Unidos. Os comerciais de doces, biscoitos, guloseimas e redes de fast food que recorrem aos truques da animação gráfica ou ao auxílio luxuoso dos super-heróis da TV – que aparecem bem na função de garotos-propaganda – hipnotizam a garotada.
Um outro problema denunciado no relatório é o stress familiar. Quando quem sustenta a casa é obrigado a dizer “não” a um apelo consumista que parte do filho, da filha, do companheiro ou companheira, o resultado costuma ser desgastante. Brigas, conflitos, disputas e eventualmente, um desejo tão grande de ter aquilo que a propaganda exibe, que não se medem esforços – ou escrúpulos – para alcançar o objetivo. Daí para os pequenos roubos e furtos pode ser um pulo.
A banalização do consumo remete a um questionamento sobre o papel da mídia na sociedade moderna. Nos primórdios da publicidade, os profissionais do ramo se preocupavam apenas em explicar o que era e para que servia um determinado produto. Hoje, isso mudou bastante, como explica Rolf Jensen, autor do livro, The Dream Society (A sociedade do sonho) : “Os produtos no futuro deverão apelar para os nossos corações e não para nossas cabeças. Quando isso acontecer, o modelo que prevalecerá não será mais o da Sociedade da Informação, mas o da Sociedade dos Sonhos”.
Há algo de inquietante nessa previsão. É difícil imaginar um mundo de sonhos, num planeta onde a publicidade alcança indistintamente ricos e pobres (muito mais pobres do que ricos), que são seduzidos pelos mesmos apelos vorazes de consumo, mas não respondem da mesma maneira a esses apelos. Em resumo: quem tem dinheiro banca o “sonho”, quem não tem, lida com o fracasso, com a frustração, e com a angústia de viver numa sociedade de consumo que privilegia não o que se é, mas o que se tem.
Para piorar a situação, mesmo que tem cacife para bancar o “sonho”, muitas vezes mergulha no pesadelo de não conseguir preencher o vazio existencial que continua incomodando mesmo com a carteira recheada de dinheiro, cartões de crédito e talões de cheque.
A doença do consumismo tem nome e preocupa as autoridades na área de saúde do Brasil: chama-se oneomania, ou consumo compulsivo. Segundo dados do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, três em cada dez brasileiros, a maioria mulheres, compram compulsivamente. É gente que usufrui apenas o momento da compra, mas não o produto, que muitas vezes é deixado de lado sem utilidade alguma. A baixa estima e o sentimento de vazio são constantes. Depois da compra vem a sensação de culpa.
Em uma ótima reportagem sobre o assunto publicada no jornal “O Estado de Minas”, a psiquiatra e psicoterapeuta Ana Ester Nogueira Pinto explica: “Uma pessoa normal tem o impulso mas é capaz de resistir. O compulsivo gasta sempre mais do que pode, se prejudicando financeiramente. Normalmente as dívidas dos doentes chegam a cinco ou dez vezes mais do que a renda mensal”. Os consumidores compulsivos são em sua maioria pessoas angustiadas ou ansiosas que tentam preencher os sufocar essa sensação através da compulsão. O tratamento psicológico é acompanhado do uso de antidepressivos e ansiolíticos.
O gerente do Procon em Belo Horizonte, Bruno Burgarelli, denuncia na reportagem a falta de clareza nas informações sobre compras parceladas e os juros das prestações. ” A publicidade enganosa e abusiva acaba induzindo ao erro, seja por ação ou omissão”.
Vem da terra do Tio Sam – templo sagrado do consumismo – uma bela lição em forma de música. Na trilha sonora do desenho animado “Mogli – o menino lobo” (Disney, 1967), o urso Baloo, responsável pela educação de Mogli numa selva repleta de predadores, cantarolava a música “Bare Necessites”, que trazia o seguinte refrão traduzido assim para o português : “Necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais”.
Vivemos num planeta que oferece o necessário para todos. Se ainda assim não conseguimos ser felizes, talvez a culpa seja nossa.
André Trigueiro*
*André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).
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