'O veganismo foi a força que eu precisava para lutar contra a anorexia nervosa. Hoje, cada refeição é um ato de amor e empatia pelo meu corpo e pela causa que defendo’
A criadora de conteúdo e estudante de nutrição Eloisa Mariane Beraldo, de 18 anos, relata como o propósito de se alimentar sem que nenhum animal seja ferido foi a virada de chave para ela conseguir lutar contra o transtorno alimentar que afeta 1% da população brasileira
Por
Alice Arnoldi
, em colaboração para Marie Claire — de São Paulo (SP)
01/11/2024 10h51 Atualizado há 22 horas
A criadora de conteúdo e estudante de nutrição Eloisa Mariane Beraldo, de 18 anos, desenvolveu anorexia nervosa com 12 anos. A busca exacerbada pela magreza ganhou força principalmente pela pressão estética que a paranaense sentia ao comparar seu corpo com os que via na internet. Beraldo só conseguiu sair do limbo do transtorno alimentar quando conheceu o veganismo, cujo dia mundial é celebrado nesta sexta-feira, 1º de novembro, e ressignificou o ato de comer.
“Eu tentava alcançar o corpo ideal, que via na internet e parecia fora do meu alcance, a ponto de ficar obcecada. Só que eu não percebia o quanto estava emagrecendo por causa disso. Cheguei a sofrer bullying na escola porque estava cada vez mais magra. Meus colegas perguntavam se eu estava doente porque meus olhos ficaram fundos e eu não tinha mais energia para fazer atividades do dia a dia”, relata a moradora da Umuarama (PR).
Esse cenário fazia com que Beraldo ficasse deprimida e, consequentemente, restringisse a alimentação ainda mais. Ela calculava as calorias de todos os alimentos e praticava atividade física de forma exagerada. “Eu contava até o azeite em uma salada”, lembra.
O difícil diagnóstico da anorexia nervosa
Beraldo explica que a distorção de imagem foi um dos sintomas mais difíceis da anorexia nervosa. “Eu me olhava no espelho e nunca me via magra o suficiente, mesmo as pessoas falando a respeito. Minha mãe chegou até a tampar os espelhos de casa para me ajudar”, desabafa.
A distorção de imagem desencadeou crises de ansiedade na estudante de nutrição e foi a partir disso que ela pediu ajuda aos pais para lidar com o transtorno alimentar. Beraldo passou com uma psicóloga e, no dia seguinte, foi encaminhada para psiquiatra.
“A psicóloga suspeitou que era anorexia nervosa e a psiquiatra confirmou. Além do transtorno alimentar, fui diagnosticada com depressão”, relata.
A psicóloga Teresa Muller, especializada em transtorno alimentar, explica que a anorexia nervosa é caracterizada pela preocupação intensa com o peso corporal e a forma física, a ponto da pessoa ter medo de engordar mesmo estando com um peso abaixo do considerado saudável.
“Entende-se, então, que os principais sintomas deste transtorno alimentar são: perda significativa de peso, medo intenso de engordar, restrição alimentar severa, obsessão por contagem de calorias, autoimagem distorcida, negação dos sinais de fome e isolamento social (para evitar situações que envolvam comida). É comum haver, inclusive, medo dos alimentos”, detalha Muller.
Ainda segundo a psicóloga, os gatilhos que desencadeiam a anorexia nervosa são uma combinação de fatores pessoais, sociais e ambientais. Ela cita, por exemplo, comentários alheios desagradáveis sobre o próprio corpo, pressão social e cultural em relação a magreza, autocrítica exacerbada, ambiente familiar focado na autoimagem e/ou no emagrecimento, experiências de abuso e/ou bullying, mudanças abruptas na vida e entre outros.
Estima-se que 15 milhões de brasileiros sofram com algum tipo de transtorno alimentar. A anorexia nervosa afeta 1% da população brasileira, segundo o pesquisador Táki Cordás, coordenador do programa de transtornos alimentares do Hospital da Universidade de São Paulo (USP). Dados foram divulgados em uma audiência da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, em julho deste ano.
Anorexia nervosa e o veganismo: uma nova forma de olhar para a comida
A partir dos diagnósticos da anorexia nervosa e depressão, a paranaense começou o acompanhamento com uma equipe multidisciplinar, composta por psicóloga, psiquiatra, endocrinologista e nutricionista.
“Foi muito difícil. No começo, eu não queria aceitar o tratamento porque eu achava que, se eu me curasse, eu engordaria. Por exemplo, eu não queria acatar a quantidade de comida que eu precisava para recuperar meu peso e cheguei até a ter episódios de desmaio na escola pela restrição que eu fazia”, lembra.
Ainda assim, Beraldo começou a melhorar. Foi nesse processo que ela se deparou com o veganismo. Ela viu uma postagem sobre o assunto na internet e decidiu procurar mais a respeito. A virada de chave para a jovem foi o documentário “Cowspiracy: o segredo da sustentabilidade”, lançado em 2014.
“Só que convencer meus pais sobre o veganismo foi um processo difícil, porque eles tinham a crença de que seria mais uma dieta/restrição alimentar. Eu tive o desafio de mostrar para eles que era mais do que alimentação, era um propósito de vida”, reflete a estudante de nutrição.
Beraldo fez o acordo com os pais de seguir à risca a dieta para ela se recuperar da anorexia nervosa, desde que eles respeitassem a sua decisão de não se alimentar de nada que tivesse origem animal. Para isso, ela procurou a nutricionista Geane Bárbara, pós-graduada em nutrição esportiva e medicina vegetariana.
“O veganismo vai além de apenas uma escolha alimentar. Ele se estende a outros aspectos da vida, como evitar o uso de couro, lã, produtos testados em animais e até atividades de entretenimento que envolvam exploração animal. É uma postura ética e de respeito, buscando reduzir o sofrimento animal e promover uma convivência mais consciente e sustentável com o meio ambiente”, detalha Bárbara.
Ainda segundo a nutricionista, a ideia de que não é possível ser saudável sendo vegano é ultrapassada, principalmente pela evolução da medicina em estudar essa filosofia de vida.
“A alimentação sem ingredientes de origem animal não só fornece todos os nutrientes em quantidades adequadas (com exceção da vitamina B12, que deve ser suplementada), mas também apoia o crescimento e desenvolvimento saudável e pode ser adotada em todos os ciclos da vida, incluindo gravidez, lactação, infância, adolescência e pessoas atletas”, enfatiza a especialista.
A vitamina B12 é suplementada porque ela é de origem bacteriana e está presente majoritariamente nos alimentos derivados de animais. Vale saber que mesmo quem consome produtos que a contenham pode precisar repô-la.
Em relação ao veganismo associado a anorexia nervosa, Muller reforça que é preciso atenção ao que leva o indivíduo a aderir a filosofia de vida. Tem quem opta pela prática como uma forma de justificar as restrições alimentares, mantendo a obsessão pelo corpo mascarada. Para que isso não aconteça, é imprescindível manter o acompanhamento médico durante e posteriormente a transição alimentar.
Caso o veganismo seja aderido como um propósito de vida sem atrapalhar a recuperação do transtorno alimentar, como no caso de Beraldo, o cenário ganha outra perspectiva.
“O veganismo pode representar uma forma de se reconectar com aspectos de compaixão e cuidado ao se alimentar, que foram negados ao longo do quadro de anorexia nervosa. A pessoa deixa de se relacionar com a alimentação como uma forma de controle sobre si mesma e passa a vê-la como uma ação que reflete sua conexão com o mundo e valores maiores”, reflete Muller.
Atualmente, Beraldo também é atleta de corrida e está no processo de ganho de massa muscular.
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/saude/noticia/2024/11/o-veganismo-foi-a-forca-que-eu-precisava-para-lutar-contra-a-anorexia-nervosa.ghtml
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