'GRILO FIT' E BARRINHA DE LARVA: INSETO VIRA COMIDA PARA PETS. NO FUTURO, ESSA PROTEÍNA PODERÁ ALIMENTAR HUMANOS

  Protin, em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo, tem viveiro de moscas e criação de larvas

'Grilo fit' e barrinha de larva: inseto vira comida para pets. No futuro, essa proteína poderá alimentar os humanos

Produção industrial de insetos para consumo humano ainda não é regulada no Brasil. Enquanto isso, produtores focam em ração

Por 

Juliana Causin

 — São Paulo

10/03/2024 08h10  Atualizado há um mês


Um alimento com custo de produção relativamente mais baixo, rico em proteína e nutrientes, e que gera pouco impacto ambiental. Essas são algumas das qualidades que fizeram os insetos serem apontados, na última década, como uma alternativa para a alimentação humana do futuro. Enquanto, diante de barreiras culturais e regulatórias, isso ainda parece muito distante, startups no país exploram o potencial deles na alimentação de animais domésticos.


Fundador da Protin Biotech, Philippe Bekes Camargo opera, desde 2021, uma “fazenda urbana”, na Grande São Paulo, dedicada à criação da mosca soldado negra, mais conhecida pela sigla BSF.


— Estamos falando de uma indústria de farinha de insetos que está nascendo no mundo, na qual o Brasil talvez seja o país com maior potencial para se colocar como produtor — diz Camargo. — No nosso caso, o foco agora está no mercado pet, em colocar a BSF em petiscos, rações e comidas naturais, mas achamos que é possível ampliá-lo no futuro.

Protin, em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo, tem viveiro de moscas e criação de larvas — Foto: Edilson Dantas
Protin, em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo, tem viveiro de moscas e criação de larvas — Foto: Edilson Dantas

Até o fim do ano, a Protin Biotech espera atingir a capacidade de produção diária de algo entre 200 e 300 quilos de farinha de larvas, com foco no consumo animal, para a qual foi autorizada pelo Ministério da Agricultura.

A produção para consumo humano não é regulamentada no Brasil, onde há forte resistência cultural, diferentemente de países asiáticos. Óleo de larva da mosca, farinha de grilo preto e larva vermelha in natura estão entre os itens vendidos para virar comida de cães, gatos, passarinhos e peixes.

Já existem 250 produtores no país

Esse também é o foco da Lets Fly, que tem como clientes os animais do AquaRio e do BioParque, no Rio. Com uma unidade piloto em Cachoeira de Macacu, a duas horas da capital fluminense, fez quatro rodadas de investimento para a criação de mosca soldado negra. Parte dos recursos, R$ 2,5 milhões, vem da Finep.

— Estamos nos preparando para fazer nova captação para escalar nossa produção, que hoje é de 1,5 tonelada de larvas por mês — conta Bruno Multedo, cofundador e CEO da Lets Fly. — Nesse momento, as empresas estão desenvolvendo essa indústria com foco em animais, mas o passo seguinte é levar aos humanos.

A Associação Brasileira dos Criadores de Insetos (Asbraci) conta com cerca de 250 produtores no país. Casé Oliveira, presidente da entidade, diz que são empreendedores que têm em comum o desejo de “criar a alimentação para o futuro da humanidade”, uma alternativa mais barata e sustentável que a criação de bovinos e suínos, por exemplo.

— A proteína de insetos precisa, comparativamente, de muito menos água e recursos para ser gerada — argumenta.

Uma pioneira no Brasil é a Cyns, que fabrica ingredientes à base de moscas soldado negra (BSF) em Piracicaba (SP). A empresa recebeu este ano um investimento inicial do grupo japonês Sumitomo, que vai permitir aumentar a produção de farinha de BSF para mil toneladas por ano.

Enquanto ainda não conseguem vender nos supermercados um biscoito com farinha de grilo ou uma barrinha de cereal com proteína de larva, os empreendedores brasileiros exploram o mercado de comida para pets, que movimenta R$ 37 bilhões por ano. Entre as grandes marcas que já adotam proteínas de moscas e grilos para bichos estão a Purina, da Nestlé, e a britânica Yora.

Startups eliminam intermediários, fazendo com que agricultor seja melhor remunerado e alimento chegue mais barato ao consumidor

Lá fora, a Tyson Foods, um dos maiores produtores de carne bovina do mundo, comprou recentemente parte da holandesa Protix para construir uma fábrica de insetos nos EUA. Dados do PitchBook, que monitora startups, mostram que os investidores de risco injetaram US$ 76,8 milhões (R$ 382 milhões) em empresas de alimento à base de inseto no mundo em 2023.

Philippe Bekes, sócio da Protin, em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo, tem viveiro de moscas e criação de larvas — Foto: Edilson Dantas
Philippe Bekes, sócio da Protin, em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo, tem viveiro de moscas e criação de larvas — Foto: Edilson Dantas

Na Europa, onde a venda para consumo humano já é realidade, a maior fábrica de insetos do mundo, da startup Ynsect, foi inaugurada no fim de 2023, em Amiens, na França. Nos próximos dois meses chegam ao mercado os primeiros itens para consumo humano e animal, além de biofertilizantes. A biofábrica de 45 mil metros quadrados pode produzir 160 mil toneladas por ano.

— A aceitação da alimentação com insetos para pets e animais é muito maior. Há uma demanda global por produtos para pets com mais qualidade e que sejam mais sustentáveis, é aí que queremos entrar — admite Antoine Hubert, cofundador da Ynsect.

FAO apoia a iniciativa

Uma das veteranas no Brasil é a Hakkuna, fundada pelo engenheiro Luiz Filipe Carvalho e pelo biólogo Murilo Gustinelli. Assim como a Lets Fly, a empresa se prepara para entrar este ano com o pedido de autorização, na Anvisa, para produção em nível industrial de insetos para produtos de consumo humano. Um deles é a farinha de grilo, que pode ser usada para alimentos fit e altamente proteicos

— Comecei a entrar na área porque estava em busca de uma proteína mais natural para consumir como apoio às minhas atividade físicas, mas que fossem mais saudáveis que as vendidas atualmente — diz Carvalho, que é CEO da empresa. — A farinha de grilo foi a melhor alternativa que encontrei, porque é rica em aminoácidos e altamente proteica.

Os empreendedores do setor costumam destacar que os insetos podem responder dois desafios globais: alimentar a população global, que deve chegar a 9,7 bilhões até 2050, e reduzir emissões de carbono da indústria de alimentos.

Em 2013, a produção e o consumo de insetos são uma bandeira levantada pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que listou em relatório 1,9 mil espécies de insetos que poderiam virar alternativas sustentáveis e nutritivas de proteína animal para humanos.

Os argumentos incluem o valor nutricional (insetos têm níveis significativos de proteínas, gorduras e vitaminas) e a segurança alimentar global com baixos custo e impacto ambiental. Mas o setor esbarra principalmente na questão cultural, que impede consumidores de verem grilos e baratas como alimento.

— A popularização só deve acontecer em anos, para não dizer décadas — diz Hubert.


Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2024/03/10/grilo-fit-e-barrinha-de-larva-inseto-vira-comida-para-pets-no-futuro-essa-proteina-podera-alimentar-os-humanos.ghtml

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