Foto David McLain
Kame Ogido, 89 anos, tem uma dieta de baixas calorias,
baseada em plantas. Os okinawanos têm uma expetativa
de vida média de 82 anos
baseada em plantas. Os okinawanos têm uma expetativa
de vida média de 82 anos
Os segredos da longa vida
Você sabe que pode acrescentar dez anos à sua vida?
Você sabe que pode acrescentar dez anos à sua vida?Uma existência longa e saudável não acontece por acaso. Pesquisadores admitem que, se você tiver bons genes e adotar um estilo de vida correto, tem chances de viver até dez anos mais. Os cientistas têm viajado pelo mundo para descobrir os segredos da longa vida. Com financiamento do Instituto Nacional do Envelhecimento, dos Estados Unidos, eles visitaram regiões cuja população tem uma vida significativamente mais duradoura, como na Sardenha, Itália, onde os homens chegam aos 100 anos numa proporção espantosa. Nas ilhas de Okinawa, Japão, uma equipe examinou outra receita de vida extensa e feliz. E em Loma Linda, Califórnia, foi estudado um grupo de adventistas do sétimo dia que estão entre os campeões da longevidade na América do Norte. Os habitantes desses três locais produzem centenários em proporção mais alta e sofrem apenas uma fração das doenças mortais que ocorrem em outras partes do mundo desenvolvido. Em suma, esses idosos oferecem opções de “melhores práticas” que todos nós podemos imitar. Agora é com você.
Sardos
No galpão atrás da casa na aldeia de Silanus, Tonino Tola, 75 anos, está com os braços mergulhados até os cotovelos na carcaça fumegante de um bezerro recém-abatido. Ele pousa o facão na mesa e me cumprimenta calorosamente com a mão ainda cheia de sangue. Depois, faz um carinho no queixo de seu netinho de 5 meses, Filippo, que assiste à cena nos braços da mãe. “Guchi, guchi, guuu...”, sussurra Tola ao bebê. Para esse pastor robusto de 1,80 metro de altura, essas duas coisas – o trabalho duro e a família – formam os alicerces da vida.
Silanus, uma comunidade de 2,4 mil pessoas, fica ao pé dos montes Gennargentu, no centro da Sardenha, onde as pastagens secas se alternam com os picos de granito. Num aglomerado de aldeias da região que os demógrafos chamam de Zona Azul, 91 das 17 865 pessoas nascidas entre 1880 e 1900 já alcançaram seu centésimo aniversário – mais que o dobro da média na Itália.
Por que tamanha longevidade? Em parte, a resposta é o estilo de vida. Às 11 da manhã, Tola já havia ordenhado quatro vacas, rachado boa quantidade de lenha, abatido um bezerro e caminhado 6 quilômetros pelo pasto com seus carneiros. Agora, fazendo a primeira pausa do dia, ele reúne seus filhos adultos, o netinho e os visitantes ao redor da mesa da cozinha. Giovanna, sua esposa, uma mulher robusta de olhos ágeis e inteligentes, desamarra um lenço que contém a carta da música, um pão redondo e fininho como papel, típico da Sardenha. Ela enche nossos copos com vinho tinto e nos passa fatias de queijo pecorino, feito de leite de ovelha, com o jeito severo de uma mulher que é a autoridade da casa.
Assim como a maioria das mulheres cujos maridos se ocupam dos rebanhos no campo, Giovanna é encarregada de criar as crianças, cuidar da casa e administrar as finanças da família. Entre as culturas do Mediterrâneo, as mulheres sardas têm a reputação de assumir o grosso dessas responsabilidades. Para os homens, menos estresse talvez reduza o risco de doenças cardiovasculares. Isso talvez explique por que em algumas partes da Sardenha o número de homens e mulheres centenários é quase igual. “Eu me encarrego do trabalho”, diz Tola, abraçando Giovanna pela cintura, “mas a minha ragazza é quem se encarrega das preocupações.”
Essa população de sardos também se beneficia de sua herança genética. Há 11 mil anos, grupos de caçadores-coletores da península Ibérica rumaram para o leste, alcançando a Sardenha. Milênios depois surgiu a civilização nurágica, uma cultura da Idade do Bronze, nas férteis planícies costeiras da ilha. Quando potências militares, como os fenícios e romanos, descobriram os encantos da Sardenha, a população nativa foi obrigada a recuar cada vez mais para a zona montanhosa no centro da ilha. Ali, se tornaram desconfiados em relação aos estrangeiros e ganharam a reputação de serem bandidos e seqüestradores, dados a vingar suas vendettas com a lesoria, o facão tradicional dos pastores da Sardenha.
Em seu isolamento, a população nativa de sardos tornou-se uma espécie de incubadora, expandindo certos traços ao longo das gerações. “Cerca de 80% deles são descendentes diretos dos primeiros habitantes da Sardenha”, aponta Paolo Francalacci, da Universidade de Sassari. Em algum ponto dessa mistura de genes, segundo ele, talvez haja uma combinação que favoreça a longevidade.
Os hábitos alimentares da família de Tola são outro fator importante. Seus pratos são ricos em frutas e verduras cultivadas em casa – como berinjela, tomate e fava – que podem reduzir o risco de doenças do coração e câncer do cólon. Na mesa também vemos laticínios, como leite de ovelhas alimentadas em pastagens naturais, e o tradicional queijo pecorino que, tal como o peixe, fornece proteínas e ácidos graxos ômega-3. Tola continua fabricando vinho de seu pequeno vinhedo de uvas Cannonau, que, nessa parte da Sardenha, contêm o dobro ou o triplo de um componente dos vinhos capaz de prevenir as doenças cardiovasculares.
Com a globalização, no entanto, até mesmo a remota Sardenha está mudando. Carros e caminhões eliminaram a necessidade de caminhar longas distâncias. Os jovens estão menos tradicionalistas, e se interessam mais pelo que ocorre fora da ilha. A obesidade, que não existia antes de 1940, hoje afeta cerca de 10% dos sardos. “As crianças querem batata frita e pizza. É isso que vêem na TV”, diz Tola. “Para elas, o pão com queijo pecorino está fora de moda.”
Só uma coisa não mudou: a dedicação dos sardos à família, que lhes garante o apoio em épocas de crise e também o cuidado com os idosos. “Eu jamais poria meu pai num asilo de velhos”, diz a filha de Tola, Irene. “Seria uma desonra para a família.”
Para Tola, o dia de trabalho ainda inclui uma caminhada no fim da tarde para levar seus 200 carneiros ao pasto. Elegante com sua boina, casaco e perneiras de couro, ele se posta numa estreita abertura de um muro de pedra, contando os carneiros que o seguem. Três animais se apertam para passar, e derrubam parte do muro. Com facilidade inacreditável, Tola levanta as pesadas pedras e as recoloca no lugar. Apoiado numa pedra, ele assume então o papel imemorial de sentinela, rotina que segue há décadas.
Eu então lhe pergunto: você nunca fica entediado?, e logo percebo que falei uma heresia. Tola se vira, apontando para mim o dedo ainda manchado de sangue, e responde numa voz tonitruante: “Eu amo viver aqui, amo cada dia da minha vida”.
Okinawanos
A primeira coisa que se nota em Ushi Okushima é sua risada. Começa na barriga, sobe até os ombros e explode numa gargalhada que enche a sala de pura alegria. Conheci Ushi cinco anos atrás em Okinawa, e agora é essa mesma risada que me atrai de volta à sua casinha de madeira no povoado de Ogimi, à beira-mar. Nessa tarde chuvosa ela está sentada, aconchegada num quimono azul. O cabelo revolto, penteado para trás na testa cor de bronze, revela olhos verdes alertas. Suas mãos macias estão serenamente cruzadas no colo. A seus pés estão sentadas suas amigas Setsuko e Matsu Taira, num tatami, tomando chá. Desde a última vez que visitei Ushi, ela entrou num novo emprego, fugiu de casa e passou a usar perfume – comportamento normal numa jovem, talvez, mas Ushi tem 103 anos. Quando lhe pergunto sobre o perfume, ela diz, brincando, que tem um novo namorado, e leva a mão à boca, soltando uma das suas gargalhadas deliciosas.
Com expectativa média de vida de 78 anos para os homens e 86 para as mulheres, os okinawanos estão entre as populações mais longevas do mundo. Melhor: os idosos desse fértil arquipélago subtropical nunca sofrem doenças incapacitantes. “Comparados aos americanos, os okinawanos têm cinco vezes menos doenças do coração, quatro vezes menos câncer no seio e na próstata e três vezes menos demência senil”, diz Craig Willcox, que faz parte do Estudo dos Centenários de Okinawa, uma pesquisa iniciada em 1976.
Qual é o segredo? “Com certeza, o ikigai ajuda muito”, diz Willcox. Essa palavra se traduz, mais ou menos, como “aquilo que faz a vida valer a pena”. Os okinawanos idosos têm um forte sentido de propósito na vida que talvez sirva de defesa contra estresse e doenças como hipertensão. Muitos pertencem a um moai – uma rede de auxílio mútuo financeiro, emocional e social durante toda a vida.
A dieta frugal também pode ser um fator. “Um prato da comida típica de Okinawa – verduras, tofu, sopa de missô e um pouquinho de peixe ou carne – tem menos calorias do que um hambúrguer pequeno”, diz Makoto Suzuki, do Estudo dos Centenários de Okinawa, “com mais elementos nutritivos.” Além disso, muitos okinawanos que cresceram antes da Segunda Guerra Mundial nunca criaram a tendência a comer demais. Eles continuam seguindo o adágio inspirado por Confúcio: “hara hachi bu – comer só até encher 80% do estômago”. Examinando hortas cultivadas pelos centenários, Greg Plotnikoff, da Universidade de Minnesota, chamou-as de “tesouros da medicina preventiva”. Para ele, ervas, frutas e verduras, como rabanete, alho, cebolinha, repolho e tomate, têm componentes capazes de impedir o surgimento de câncer.
Por ironia, para muitos okinawanos mais velhos essa alimentação nasceu das duras condições de vida. Quando jovem, Ushi Okushima era pobre e vivia descalça. Sua família sobrevivia do cultivo da terra pedregosa de Ogimi. Plantavam sobretudo batata-doce, a base de todas as refeições. Para comemorar o ano-novo, a aldeia matava um porco, e cada um ganhava um pedacinho. Durante a Segunda Guerra, quando os navios americanos lançaram granadas contra Okinawa, Ushi e Setsuko Taira, cujos maridos tinham sido recrutados pelo Exército japonês, fugiram para as montanhas com os filhos. “Passamos uma fome terrível”, lembra-se Setsuko.
Ushi agora acorda todos os dias às 6 horas e tem um pequeno desjejum com leite, banana e tomate. Até pouco tempo atrás ela mesma plantava a maior parte de seus alimentos (parou quando começou a trabalhar num emprego fixo). Mas seus rituais diários não mudaram: orações matinais para seus antepassados, chá com as amigas, almoço com a família, uma soneca à tarde, uma hora social ao anoitecer com amigos e antes de dormir uma xícara de saquê com infusão de artemísia. “Me ajuda a dormir”, diz ela.
De volta à casa de Ushi, terminamos nosso chá. Lá fora, cai a noite; a chuva tamborila no telhado. A filha de Ushi, Kikue, que tem 78 anos e não acha graça nas atenções que a mãe atrai, me lança um olhar que significa “está na hora de as visitas irem embora”. (Quando Ushi fugiu de casa, estava escapando de uma discussão com Kikue. Ela fez a mala e tomou um ônibus sem contar à filha. Um parente a alcançou numa cidade a 60 quilômetros dali.)
Ushi, Setsuko e Matsu percebem a indireta e ficam em silêncio. Há quase um século essas três mulheres compartilham seu destino e suportam juntas as adversidades. Agora parece que até conseguem se comunicar sem palavras. Por isso, qual será o ikigai de Ushi, pergunto eu – o poderoso sentido da vida que os okinawanos mais velhos possuem? “É a longevidade em si”, responde a filha. “Minha mãe é motivo de orgulho para nossa família e para toda nossa aldeia. Ela sente que precisa continuar a viver, embora muitas vezes se sinta cansada.”
Olho para Ushi, esperando sua resposta. “Meu ikigai está bem aqui”, diz ela, fazendo um gesto vagaroso em torno, mostrando as amigas Setsuko e Matsu. “Se elas morrerem, vou me perguntar por que continuar a viver.”
Adventistas
É sexta-feira de manhã, e Marge Jetton segue em alta velocidade pela estrada San Bernardino no seu Cadillac Seville lilás. Com seus óculos escuros, ela examina a estrada com a cabeça mal aparecendo por cima do volante. Marge, que fez 101 anos em setembro, está atrasada para um de seus vários compromissos com grupos de voluntários, e acelera ainda mais. Nessa manhã ela já caminhou 1 quilômetro e meio, levantou pesos e comeu seu mingau. “Não sei por que Deus me deu o privilégio de viver tanto”, diz ela, apontando para si mesma. “Mas olhe só o que Ele fez.”
Deus talvez tenha a ver com a vitalidade de Marge e talvez não tenha; mas a religião dela decerto tem. Marge é adventista do sétimo dia. Estamos em Loma Linda, Califórnia, a meio caminho entre Palm Springs e Los Angeles. Ali, em meio a laranjais, vive uma comunidade, já muito estudada, de adventistas do sétimo dia.
A Igreja Adventista nasceu na mesma época das reformas na saúde no século 19 que difundiram o vegetarianismo organizado, a bolacha integral tipo graham e os cereais matinais – John Harvey Kellogg era um adventista quando começou a fabricar flocos de trigo. Assim, os adventistas sempre pregaram e praticaram a saúde. Sua igreja proíbe fumar, consumir álcool e comer alimentos que a Bíblia considera impuros, tais como carne de porco. Também tenta desestimular o consumo de outras carnes, alimentos muito gordurosos, bebidas com cafeína e condimentos e temperos considerados “estimulantes”. “Cereais, frutas, verduras e nozes constituem a alimentação escolhida para nós pelo Criador”, escreveu Ellen White, uma das figuras que ajudaram a formar a Igreja Adventista. Os religiosos também guardam o descanso no sábado, dia em que socializam com outros membros da igreja e desfrutam de um período de descanso. A maioria dos adventistas segue esse estilo de vida prescrito – demonstrando, talvez, o poder de combinar saúde com religião.
De 1976 a 1988, os Institutos Nacionais de Saúde americanos financiaram um estudo com 34 mil adventistas da Califórnia para saber se seu estilo de vida saudável afetava sua expectativa de vida e o risco de contrair cânceres e doenças cardíacas. O estudo concluiu que o hábito deles de consumir feijão, leite de soja, tomate e frutas diminuía o perigo de desenvolver certos tipos de câncer. O estudo também sugeriu que comer pão de trigo integral, tomar cinco copos de água por dia e consumir quatro porções de nozes por semana reduz as probalibidades de doenças cardíacas. E concluiu que não comer carne vermelha ajuda a evitar cânceres e doenças cardíacas. “O adventista médio vivia de quatro a dez anos mais que o californiano médio”, diz Gary Fraser da Universidade de Loma Linda.
Encontrei Marge no Plaza Place, um salão de beleza em Redlands onde há 20 anos ela tem hora marcada todas as sextas, às 8 da manhã, com a cabelereira Bárbara Miller. Quando chego, Marge está folheando um exemplar de Seleções enquanto Bárbara lhe penteia o cabelo grisalho. “Você está atrasado!”, grita ela. Atrás de Marge, várias cabeleireiras penteiam outras cabeleiras em vários tons de prata. “Somos um bando de dinossauros”, cochicha Bárbara para mim. “Você pode ser”, responde Marge. “Eu não!”
Meia hora depois, com o cabelo transformado num tufo de algodão, Marge me leva ao seu carro, arrastando os pés num passinho rápido. “Entre”, ordena ela. “Você pode ajudar.” Vamos até um centro de serviços para adultos de Loma Linda que dá atendimento diário aos idosos. Ela abre o porta-malas e tira quatro maços de revistas que juntou. “Os velhinhos gostam de ler e recortar as figuras para fazer trabalhos manuais”, explica Marge. “Velhinhos”?
Próxima parada: entregar garrafas recicláveis a uma senhora que poderá depois trocá-las pelo dinheiro do depósito. No caminho, Marge me conta que nasceu pobre; seu pai criava mulas e a mãe era uma dona-de-casa de Yuba City, Califórnia. Ela se lembra do terremoto de San Francisco de 1906, quando tinha 3 anos. Trabalhou como enfermeira, sustentou o marido durante seus estudos de medicina e criou dois filhos como esposa de médico. O marido, James, morreu dois dias antes de comemorarem 77 anos de casamento. “É claro que me sinto sozinha de vez em quando, mas para mim isso sempre foi sinal de que é hora de me levantar e sair para ajudar alguém.”
Tal como muitos adventistas, Marge passa a maior parte do tempo em convívio com seus companheiros de igreja. Essa convivência com pessoas de costumes iguais acaba reforçando seus hábitos saudáveis. “É difícil ter amigos que não sejam adventistas”, diz ela. “Onde eu iria encontrá-los? Nós não fazemos as mesmas atividades. Eu não vou ao cinema nem a bailes.”
Ao meio-dia, de volta a Linda Valley Villa, a comunidade de adventistas aposentados onde Marge reside, ela me convida para almoçar. Nós nos sentamos sozinhos a uma mesa, mas logo chega uma sucessão de vizinhos para cumprimentá-la. Enquanto comemos salada verde e cozido de tofu, peço a Marge que conte o segredo da sua longevidade. “Faz 50 anos que não como carne, e nunca como nada entre as refeições”, confessa ela, dando umas batidinhas em seus dentes perfeitos. “Veja, são todos meus!” Seu trabalho de voluntária ajuda-a a evitar a solidão que encurta a vida e aflige tantos cidadãos idosos. Também lhe dá um sentido na vida, um propósito que permeia a existência dos centenários de sucesso. “Percebi há muito tempo que eu tinha de sair para o mundo”, diz ela. “Não é o mundo que virá me procurar.”
Faço uma última pergunta a Marge. Depois de entrevistar mais de 50 centenários em três continentes, achei todos eles absolutamente simpáticos; nenhum deles azedo ou mal-humorado. Qual é o segredo de um século de simpatia? “Bem, eu gosto de conversar com as pessoas”, diz ela. “Para mim, os estranhos são apenas amigos que eu ainda não conheço.” Ela faz uma pausa para repensar sua resposta. “Aposto que muita gente olha pra mim e pensa: ‘Por que essa mulher não fica de boca fechada?’”
Veranenses
Sentado à beira da calçada numa rua de Veranópolis, um homem de 70 anos chora. Um conhecido um pouco mais idoso quer saber o motivo das lágrimas. “O papai me bateu”, diz o chorão. “E por que você apanhou?”, questiona o amigo. “Porque eu fiz careta pro vovô.”
A piada não é nova. Em compensação, a julgar pelas estatísticas e por vários estudos, ela não caducará tão cedo em Veranópolis. Encravada em um dos mais belos rincões da serra gaúcha, a pouco mais de 160 quilômetros de Porto Alegre, a cidade ostenta a mais alta média de expectativa de vida do país: 78 anos – em 2003, segundo o IBGE, a esperança média de vida dos brasileiros foi estimada em 71,3 anos. Entre as mulheres do município, a longevidade iguala-se à média japonesa – 83 anos –, a mais alta do mundo.
Numa manhã de domingo, encontro boa parte dos mais vividos da cidade reunida na frente da igreja matriz, em elegantes uniformes alvinegros. Todos fazem parte de um dos “grupos de longevidade” locais e estão ali, garridos, para uma apresentação de coral. As atividades rotineiras dessa confraria grisalha incluem sessões de ginástica e hidromassagem, duas vezes por semana, e concorridos bailões, que costumam atrair até mil pés-de-valsa.
“Quando estou na cidade, as mulheres fazem fila para dançar comigo”, brinca o médico geriatra Emílio Moriguchi, da PUC-RS, que há mais de dez anos coordena estudos com os moradores que já passaram dos 80 anos. “Quase todos em Veranópolis fazem atividades físicas regulares e têm acesso à assistência médica, além de uma vida regrada”, diz Moriguchi, que é também consultor da Organização Mundial de Saúde. Outro fator para a longa vida, diz ele, é a qualidade da alimentação. Baseada em produtos frescos e com baixíssimos teores de gorduras nocivas, a típica dieta veranense tem dois aliados de peso: o vinho e a polenta, ambos de produção local. “A polenta, da maneira como é consumida entre as famílias – grelhada numa chapa –, é rica em hidrato de carbono de absorção lenta (amido) e fibras alimentares que diminuem as inflamações vasculares, entre outros benefícios”, ensina o médico.
As faltas de estresse e da sensação de “inutilidade” são igualmente fundamentais. A irrequieta Líbera Mazzarollo, 94 anos, na maior parte do tempo tece tranças de palha, usadas para manufaturar chapéus. Quando pergunto seu segredo, ela abre um sorriso e responde em dialeto vêneto: “Molar do i bràs” (“Largar os braços”, ou seja, não se preocupar). O sítio da família, a 12 quilômetros do centro, é quase auto-suficiente, como a maioria dos outros na região.
Foi na lida na roça, por sinal, que Tereza Assumpção Sasso deu duro até os 70 anos. Hoje, aos 102, ela é primeira-dama da longevidade em Veranópolis. Sua prole é respeitável: nove filhos (dois já falecidos), 32 netos, 35 bisnetos e dois trinetos. “Rezo todo dia para todo mundo”, diz ela, ajudando a confirmar a tese de que a religiosidade pode ajudar a viver mais. Adepta do chimarrão e de um cálice de vinho tinto no almoço, dona Assunta, como é conhecida, não se priva de outros pequenos prazeres. “Se oferecermos uma cachacinha, ela toma com gosto”, revela a neta Alecsandra.
A prova mais convincente de que trabalhar com prazer, alimentar-se bem, praticar exercícios físicos e, sobretudo, ter otimismo e paixão pela vida operam maravilhas é o empresário Elias Ruas Amantino. Com “apenas” 90 anos, o popular seu Ruas – duas vezes ex-prefeito do município e várias vezes campeão de tiro esportivo – dirige ativamente sua indústria, depois de caminhar, pedalar e nadar pela manhã. “O corpo é preguiçoso. Quem tem de comandar é o espírito”, assevera o lépido nonagenário que uma vez por semana vai visitar a namorada de 75 anos numa cidade vizinha. E que ninguém duvide de sua boa forma: para minha surpresa, no meio de nossa conversa, na sala da diretoria de sua empresa, ele tirou os sapatos e plantou uma bananeira. Como um menino travesso que faz careta para o vovô.
por Dan Buettner
Fonte:http://viajeaqui.abril.com.br/materias/os-segredos-da-longa-vida?pw=5
Sardos
No galpão atrás da casa na aldeia de Silanus, Tonino Tola, 75 anos, está com os braços mergulhados até os cotovelos na carcaça fumegante de um bezerro recém-abatido. Ele pousa o facão na mesa e me cumprimenta calorosamente com a mão ainda cheia de sangue. Depois, faz um carinho no queixo de seu netinho de 5 meses, Filippo, que assiste à cena nos braços da mãe. “Guchi, guchi, guuu...”, sussurra Tola ao bebê. Para esse pastor robusto de 1,80 metro de altura, essas duas coisas – o trabalho duro e a família – formam os alicerces da vida.
Silanus, uma comunidade de 2,4 mil pessoas, fica ao pé dos montes Gennargentu, no centro da Sardenha, onde as pastagens secas se alternam com os picos de granito. Num aglomerado de aldeias da região que os demógrafos chamam de Zona Azul, 91 das 17 865 pessoas nascidas entre 1880 e 1900 já alcançaram seu centésimo aniversário – mais que o dobro da média na Itália.
Por que tamanha longevidade? Em parte, a resposta é o estilo de vida. Às 11 da manhã, Tola já havia ordenhado quatro vacas, rachado boa quantidade de lenha, abatido um bezerro e caminhado 6 quilômetros pelo pasto com seus carneiros. Agora, fazendo a primeira pausa do dia, ele reúne seus filhos adultos, o netinho e os visitantes ao redor da mesa da cozinha. Giovanna, sua esposa, uma mulher robusta de olhos ágeis e inteligentes, desamarra um lenço que contém a carta da música, um pão redondo e fininho como papel, típico da Sardenha. Ela enche nossos copos com vinho tinto e nos passa fatias de queijo pecorino, feito de leite de ovelha, com o jeito severo de uma mulher que é a autoridade da casa.
Assim como a maioria das mulheres cujos maridos se ocupam dos rebanhos no campo, Giovanna é encarregada de criar as crianças, cuidar da casa e administrar as finanças da família. Entre as culturas do Mediterrâneo, as mulheres sardas têm a reputação de assumir o grosso dessas responsabilidades. Para os homens, menos estresse talvez reduza o risco de doenças cardiovasculares. Isso talvez explique por que em algumas partes da Sardenha o número de homens e mulheres centenários é quase igual. “Eu me encarrego do trabalho”, diz Tola, abraçando Giovanna pela cintura, “mas a minha ragazza é quem se encarrega das preocupações.”
Essa população de sardos também se beneficia de sua herança genética. Há 11 mil anos, grupos de caçadores-coletores da península Ibérica rumaram para o leste, alcançando a Sardenha. Milênios depois surgiu a civilização nurágica, uma cultura da Idade do Bronze, nas férteis planícies costeiras da ilha. Quando potências militares, como os fenícios e romanos, descobriram os encantos da Sardenha, a população nativa foi obrigada a recuar cada vez mais para a zona montanhosa no centro da ilha. Ali, se tornaram desconfiados em relação aos estrangeiros e ganharam a reputação de serem bandidos e seqüestradores, dados a vingar suas vendettas com a lesoria, o facão tradicional dos pastores da Sardenha.
Em seu isolamento, a população nativa de sardos tornou-se uma espécie de incubadora, expandindo certos traços ao longo das gerações. “Cerca de 80% deles são descendentes diretos dos primeiros habitantes da Sardenha”, aponta Paolo Francalacci, da Universidade de Sassari. Em algum ponto dessa mistura de genes, segundo ele, talvez haja uma combinação que favoreça a longevidade.
Os hábitos alimentares da família de Tola são outro fator importante. Seus pratos são ricos em frutas e verduras cultivadas em casa – como berinjela, tomate e fava – que podem reduzir o risco de doenças do coração e câncer do cólon. Na mesa também vemos laticínios, como leite de ovelhas alimentadas em pastagens naturais, e o tradicional queijo pecorino que, tal como o peixe, fornece proteínas e ácidos graxos ômega-3. Tola continua fabricando vinho de seu pequeno vinhedo de uvas Cannonau, que, nessa parte da Sardenha, contêm o dobro ou o triplo de um componente dos vinhos capaz de prevenir as doenças cardiovasculares.
Com a globalização, no entanto, até mesmo a remota Sardenha está mudando. Carros e caminhões eliminaram a necessidade de caminhar longas distâncias. Os jovens estão menos tradicionalistas, e se interessam mais pelo que ocorre fora da ilha. A obesidade, que não existia antes de 1940, hoje afeta cerca de 10% dos sardos. “As crianças querem batata frita e pizza. É isso que vêem na TV”, diz Tola. “Para elas, o pão com queijo pecorino está fora de moda.”
Só uma coisa não mudou: a dedicação dos sardos à família, que lhes garante o apoio em épocas de crise e também o cuidado com os idosos. “Eu jamais poria meu pai num asilo de velhos”, diz a filha de Tola, Irene. “Seria uma desonra para a família.”
Para Tola, o dia de trabalho ainda inclui uma caminhada no fim da tarde para levar seus 200 carneiros ao pasto. Elegante com sua boina, casaco e perneiras de couro, ele se posta numa estreita abertura de um muro de pedra, contando os carneiros que o seguem. Três animais se apertam para passar, e derrubam parte do muro. Com facilidade inacreditável, Tola levanta as pesadas pedras e as recoloca no lugar. Apoiado numa pedra, ele assume então o papel imemorial de sentinela, rotina que segue há décadas.
Eu então lhe pergunto: você nunca fica entediado?, e logo percebo que falei uma heresia. Tola se vira, apontando para mim o dedo ainda manchado de sangue, e responde numa voz tonitruante: “Eu amo viver aqui, amo cada dia da minha vida”.
Okinawanos
A primeira coisa que se nota em Ushi Okushima é sua risada. Começa na barriga, sobe até os ombros e explode numa gargalhada que enche a sala de pura alegria. Conheci Ushi cinco anos atrás em Okinawa, e agora é essa mesma risada que me atrai de volta à sua casinha de madeira no povoado de Ogimi, à beira-mar. Nessa tarde chuvosa ela está sentada, aconchegada num quimono azul. O cabelo revolto, penteado para trás na testa cor de bronze, revela olhos verdes alertas. Suas mãos macias estão serenamente cruzadas no colo. A seus pés estão sentadas suas amigas Setsuko e Matsu Taira, num tatami, tomando chá. Desde a última vez que visitei Ushi, ela entrou num novo emprego, fugiu de casa e passou a usar perfume – comportamento normal numa jovem, talvez, mas Ushi tem 103 anos. Quando lhe pergunto sobre o perfume, ela diz, brincando, que tem um novo namorado, e leva a mão à boca, soltando uma das suas gargalhadas deliciosas.
Com expectativa média de vida de 78 anos para os homens e 86 para as mulheres, os okinawanos estão entre as populações mais longevas do mundo. Melhor: os idosos desse fértil arquipélago subtropical nunca sofrem doenças incapacitantes. “Comparados aos americanos, os okinawanos têm cinco vezes menos doenças do coração, quatro vezes menos câncer no seio e na próstata e três vezes menos demência senil”, diz Craig Willcox, que faz parte do Estudo dos Centenários de Okinawa, uma pesquisa iniciada em 1976.
Qual é o segredo? “Com certeza, o ikigai ajuda muito”, diz Willcox. Essa palavra se traduz, mais ou menos, como “aquilo que faz a vida valer a pena”. Os okinawanos idosos têm um forte sentido de propósito na vida que talvez sirva de defesa contra estresse e doenças como hipertensão. Muitos pertencem a um moai – uma rede de auxílio mútuo financeiro, emocional e social durante toda a vida.
A dieta frugal também pode ser um fator. “Um prato da comida típica de Okinawa – verduras, tofu, sopa de missô e um pouquinho de peixe ou carne – tem menos calorias do que um hambúrguer pequeno”, diz Makoto Suzuki, do Estudo dos Centenários de Okinawa, “com mais elementos nutritivos.” Além disso, muitos okinawanos que cresceram antes da Segunda Guerra Mundial nunca criaram a tendência a comer demais. Eles continuam seguindo o adágio inspirado por Confúcio: “hara hachi bu – comer só até encher 80% do estômago”. Examinando hortas cultivadas pelos centenários, Greg Plotnikoff, da Universidade de Minnesota, chamou-as de “tesouros da medicina preventiva”. Para ele, ervas, frutas e verduras, como rabanete, alho, cebolinha, repolho e tomate, têm componentes capazes de impedir o surgimento de câncer.
Por ironia, para muitos okinawanos mais velhos essa alimentação nasceu das duras condições de vida. Quando jovem, Ushi Okushima era pobre e vivia descalça. Sua família sobrevivia do cultivo da terra pedregosa de Ogimi. Plantavam sobretudo batata-doce, a base de todas as refeições. Para comemorar o ano-novo, a aldeia matava um porco, e cada um ganhava um pedacinho. Durante a Segunda Guerra, quando os navios americanos lançaram granadas contra Okinawa, Ushi e Setsuko Taira, cujos maridos tinham sido recrutados pelo Exército japonês, fugiram para as montanhas com os filhos. “Passamos uma fome terrível”, lembra-se Setsuko.
Ushi agora acorda todos os dias às 6 horas e tem um pequeno desjejum com leite, banana e tomate. Até pouco tempo atrás ela mesma plantava a maior parte de seus alimentos (parou quando começou a trabalhar num emprego fixo). Mas seus rituais diários não mudaram: orações matinais para seus antepassados, chá com as amigas, almoço com a família, uma soneca à tarde, uma hora social ao anoitecer com amigos e antes de dormir uma xícara de saquê com infusão de artemísia. “Me ajuda a dormir”, diz ela.
De volta à casa de Ushi, terminamos nosso chá. Lá fora, cai a noite; a chuva tamborila no telhado. A filha de Ushi, Kikue, que tem 78 anos e não acha graça nas atenções que a mãe atrai, me lança um olhar que significa “está na hora de as visitas irem embora”. (Quando Ushi fugiu de casa, estava escapando de uma discussão com Kikue. Ela fez a mala e tomou um ônibus sem contar à filha. Um parente a alcançou numa cidade a 60 quilômetros dali.)
Ushi, Setsuko e Matsu percebem a indireta e ficam em silêncio. Há quase um século essas três mulheres compartilham seu destino e suportam juntas as adversidades. Agora parece que até conseguem se comunicar sem palavras. Por isso, qual será o ikigai de Ushi, pergunto eu – o poderoso sentido da vida que os okinawanos mais velhos possuem? “É a longevidade em si”, responde a filha. “Minha mãe é motivo de orgulho para nossa família e para toda nossa aldeia. Ela sente que precisa continuar a viver, embora muitas vezes se sinta cansada.”
Olho para Ushi, esperando sua resposta. “Meu ikigai está bem aqui”, diz ela, fazendo um gesto vagaroso em torno, mostrando as amigas Setsuko e Matsu. “Se elas morrerem, vou me perguntar por que continuar a viver.”
Adventistas
É sexta-feira de manhã, e Marge Jetton segue em alta velocidade pela estrada San Bernardino no seu Cadillac Seville lilás. Com seus óculos escuros, ela examina a estrada com a cabeça mal aparecendo por cima do volante. Marge, que fez 101 anos em setembro, está atrasada para um de seus vários compromissos com grupos de voluntários, e acelera ainda mais. Nessa manhã ela já caminhou 1 quilômetro e meio, levantou pesos e comeu seu mingau. “Não sei por que Deus me deu o privilégio de viver tanto”, diz ela, apontando para si mesma. “Mas olhe só o que Ele fez.”
Deus talvez tenha a ver com a vitalidade de Marge e talvez não tenha; mas a religião dela decerto tem. Marge é adventista do sétimo dia. Estamos em Loma Linda, Califórnia, a meio caminho entre Palm Springs e Los Angeles. Ali, em meio a laranjais, vive uma comunidade, já muito estudada, de adventistas do sétimo dia.
A Igreja Adventista nasceu na mesma época das reformas na saúde no século 19 que difundiram o vegetarianismo organizado, a bolacha integral tipo graham e os cereais matinais – John Harvey Kellogg era um adventista quando começou a fabricar flocos de trigo. Assim, os adventistas sempre pregaram e praticaram a saúde. Sua igreja proíbe fumar, consumir álcool e comer alimentos que a Bíblia considera impuros, tais como carne de porco. Também tenta desestimular o consumo de outras carnes, alimentos muito gordurosos, bebidas com cafeína e condimentos e temperos considerados “estimulantes”. “Cereais, frutas, verduras e nozes constituem a alimentação escolhida para nós pelo Criador”, escreveu Ellen White, uma das figuras que ajudaram a formar a Igreja Adventista. Os religiosos também guardam o descanso no sábado, dia em que socializam com outros membros da igreja e desfrutam de um período de descanso. A maioria dos adventistas segue esse estilo de vida prescrito – demonstrando, talvez, o poder de combinar saúde com religião.
De 1976 a 1988, os Institutos Nacionais de Saúde americanos financiaram um estudo com 34 mil adventistas da Califórnia para saber se seu estilo de vida saudável afetava sua expectativa de vida e o risco de contrair cânceres e doenças cardíacas. O estudo concluiu que o hábito deles de consumir feijão, leite de soja, tomate e frutas diminuía o perigo de desenvolver certos tipos de câncer. O estudo também sugeriu que comer pão de trigo integral, tomar cinco copos de água por dia e consumir quatro porções de nozes por semana reduz as probalibidades de doenças cardíacas. E concluiu que não comer carne vermelha ajuda a evitar cânceres e doenças cardíacas. “O adventista médio vivia de quatro a dez anos mais que o californiano médio”, diz Gary Fraser da Universidade de Loma Linda.
Encontrei Marge no Plaza Place, um salão de beleza em Redlands onde há 20 anos ela tem hora marcada todas as sextas, às 8 da manhã, com a cabelereira Bárbara Miller. Quando chego, Marge está folheando um exemplar de Seleções enquanto Bárbara lhe penteia o cabelo grisalho. “Você está atrasado!”, grita ela. Atrás de Marge, várias cabeleireiras penteiam outras cabeleiras em vários tons de prata. “Somos um bando de dinossauros”, cochicha Bárbara para mim. “Você pode ser”, responde Marge. “Eu não!”
Meia hora depois, com o cabelo transformado num tufo de algodão, Marge me leva ao seu carro, arrastando os pés num passinho rápido. “Entre”, ordena ela. “Você pode ajudar.” Vamos até um centro de serviços para adultos de Loma Linda que dá atendimento diário aos idosos. Ela abre o porta-malas e tira quatro maços de revistas que juntou. “Os velhinhos gostam de ler e recortar as figuras para fazer trabalhos manuais”, explica Marge. “Velhinhos”?
Próxima parada: entregar garrafas recicláveis a uma senhora que poderá depois trocá-las pelo dinheiro do depósito. No caminho, Marge me conta que nasceu pobre; seu pai criava mulas e a mãe era uma dona-de-casa de Yuba City, Califórnia. Ela se lembra do terremoto de San Francisco de 1906, quando tinha 3 anos. Trabalhou como enfermeira, sustentou o marido durante seus estudos de medicina e criou dois filhos como esposa de médico. O marido, James, morreu dois dias antes de comemorarem 77 anos de casamento. “É claro que me sinto sozinha de vez em quando, mas para mim isso sempre foi sinal de que é hora de me levantar e sair para ajudar alguém.”
Tal como muitos adventistas, Marge passa a maior parte do tempo em convívio com seus companheiros de igreja. Essa convivência com pessoas de costumes iguais acaba reforçando seus hábitos saudáveis. “É difícil ter amigos que não sejam adventistas”, diz ela. “Onde eu iria encontrá-los? Nós não fazemos as mesmas atividades. Eu não vou ao cinema nem a bailes.”
Ao meio-dia, de volta a Linda Valley Villa, a comunidade de adventistas aposentados onde Marge reside, ela me convida para almoçar. Nós nos sentamos sozinhos a uma mesa, mas logo chega uma sucessão de vizinhos para cumprimentá-la. Enquanto comemos salada verde e cozido de tofu, peço a Marge que conte o segredo da sua longevidade. “Faz 50 anos que não como carne, e nunca como nada entre as refeições”, confessa ela, dando umas batidinhas em seus dentes perfeitos. “Veja, são todos meus!” Seu trabalho de voluntária ajuda-a a evitar a solidão que encurta a vida e aflige tantos cidadãos idosos. Também lhe dá um sentido na vida, um propósito que permeia a existência dos centenários de sucesso. “Percebi há muito tempo que eu tinha de sair para o mundo”, diz ela. “Não é o mundo que virá me procurar.”
Faço uma última pergunta a Marge. Depois de entrevistar mais de 50 centenários em três continentes, achei todos eles absolutamente simpáticos; nenhum deles azedo ou mal-humorado. Qual é o segredo de um século de simpatia? “Bem, eu gosto de conversar com as pessoas”, diz ela. “Para mim, os estranhos são apenas amigos que eu ainda não conheço.” Ela faz uma pausa para repensar sua resposta. “Aposto que muita gente olha pra mim e pensa: ‘Por que essa mulher não fica de boca fechada?’”
Veranenses
Sentado à beira da calçada numa rua de Veranópolis, um homem de 70 anos chora. Um conhecido um pouco mais idoso quer saber o motivo das lágrimas. “O papai me bateu”, diz o chorão. “E por que você apanhou?”, questiona o amigo. “Porque eu fiz careta pro vovô.”
A piada não é nova. Em compensação, a julgar pelas estatísticas e por vários estudos, ela não caducará tão cedo em Veranópolis. Encravada em um dos mais belos rincões da serra gaúcha, a pouco mais de 160 quilômetros de Porto Alegre, a cidade ostenta a mais alta média de expectativa de vida do país: 78 anos – em 2003, segundo o IBGE, a esperança média de vida dos brasileiros foi estimada em 71,3 anos. Entre as mulheres do município, a longevidade iguala-se à média japonesa – 83 anos –, a mais alta do mundo.
Numa manhã de domingo, encontro boa parte dos mais vividos da cidade reunida na frente da igreja matriz, em elegantes uniformes alvinegros. Todos fazem parte de um dos “grupos de longevidade” locais e estão ali, garridos, para uma apresentação de coral. As atividades rotineiras dessa confraria grisalha incluem sessões de ginástica e hidromassagem, duas vezes por semana, e concorridos bailões, que costumam atrair até mil pés-de-valsa.
“Quando estou na cidade, as mulheres fazem fila para dançar comigo”, brinca o médico geriatra Emílio Moriguchi, da PUC-RS, que há mais de dez anos coordena estudos com os moradores que já passaram dos 80 anos. “Quase todos em Veranópolis fazem atividades físicas regulares e têm acesso à assistência médica, além de uma vida regrada”, diz Moriguchi, que é também consultor da Organização Mundial de Saúde. Outro fator para a longa vida, diz ele, é a qualidade da alimentação. Baseada em produtos frescos e com baixíssimos teores de gorduras nocivas, a típica dieta veranense tem dois aliados de peso: o vinho e a polenta, ambos de produção local. “A polenta, da maneira como é consumida entre as famílias – grelhada numa chapa –, é rica em hidrato de carbono de absorção lenta (amido) e fibras alimentares que diminuem as inflamações vasculares, entre outros benefícios”, ensina o médico.
As faltas de estresse e da sensação de “inutilidade” são igualmente fundamentais. A irrequieta Líbera Mazzarollo, 94 anos, na maior parte do tempo tece tranças de palha, usadas para manufaturar chapéus. Quando pergunto seu segredo, ela abre um sorriso e responde em dialeto vêneto: “Molar do i bràs” (“Largar os braços”, ou seja, não se preocupar). O sítio da família, a 12 quilômetros do centro, é quase auto-suficiente, como a maioria dos outros na região.
Foi na lida na roça, por sinal, que Tereza Assumpção Sasso deu duro até os 70 anos. Hoje, aos 102, ela é primeira-dama da longevidade em Veranópolis. Sua prole é respeitável: nove filhos (dois já falecidos), 32 netos, 35 bisnetos e dois trinetos. “Rezo todo dia para todo mundo”, diz ela, ajudando a confirmar a tese de que a religiosidade pode ajudar a viver mais. Adepta do chimarrão e de um cálice de vinho tinto no almoço, dona Assunta, como é conhecida, não se priva de outros pequenos prazeres. “Se oferecermos uma cachacinha, ela toma com gosto”, revela a neta Alecsandra.
A prova mais convincente de que trabalhar com prazer, alimentar-se bem, praticar exercícios físicos e, sobretudo, ter otimismo e paixão pela vida operam maravilhas é o empresário Elias Ruas Amantino. Com “apenas” 90 anos, o popular seu Ruas – duas vezes ex-prefeito do município e várias vezes campeão de tiro esportivo – dirige ativamente sua indústria, depois de caminhar, pedalar e nadar pela manhã. “O corpo é preguiçoso. Quem tem de comandar é o espírito”, assevera o lépido nonagenário que uma vez por semana vai visitar a namorada de 75 anos numa cidade vizinha. E que ninguém duvide de sua boa forma: para minha surpresa, no meio de nossa conversa, na sala da diretoria de sua empresa, ele tirou os sapatos e plantou uma bananeira. Como um menino travesso que faz careta para o vovô.
por Dan Buettner
Fonte:http://viajeaqui.abril.com.br/materias/os-segredos-da-longa-vida?pw=5
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