- O conhecimento atual conjunto da genética da obesidade explicaria menos que 3% do IMC de um indivíduo
Teste genético é útil para quem quer emagrecer? Especialistas comentam
Cada pessoa responde de um jeito a dieta e exercícios. Enquanto uns restringem os carboidratos e perdem peso rapidinho, outros reclamam que a medida traz muito sofrimento e pouco resultado. O mesmo acontece com os exercícios - para uns, caprichar na musculação só traz dores e pouca mudança na fita métrica, enquanto para outros o resultado aparece em poucos meses. Você já deve ter ouvido que a explicação para isso pode estar nos genes.
É por isso que, de algum tempo para cá, alguns endocrinologistas e nutricionistas vêm utilizando uma nova ferramenta antes de prescrever programas de emagrecimento aos pacientes: o mapeamento genético. No entanto, alguns profissionais - inclusive geneticistas - são bastante céticos em relação a esses testes.
O exame utilizado por especialistas consultados pelo UOL Saúde é feito nos EUA, pela empresa Pathway Genomics. O Pathway Fit, como é chamado o teste, mostra, por exemplo, se você responde melhor aos exercícios aeróbicos ou à musculação, se tem mais benefícios com uma dieta com teor reduzido de carboidratos ou se seu problema maior é a gordura.
TESTE AJUDOU ATOR A PERDER 26 KG
- Há quase um ano, o ator global Jackson Antunes procurou o médico porque estava com excesso de peso e níveis de gordura e glicose elevados. Ele foi orientado a fazer o mapeamento genético antes de seguir um programa de dieta e exercícios. "Eu sou leigo, mas acredito que as informações ajudaram muito a nutricionista a montar minha dieta", opina.
O ator sentiu os benefícios no corpo e na saúde: o ponteiro da balança passou de 126 kg para 100 kg, a glicose baixou e o nível de triglicérides, que estava em mais de 800, agora está em 150. Além da alimentação controlada, ele passou a caminhar e a fazer exercícios na água."Acabei de fazer dois longas e com disposição bem maior. Até a memória melhorou", conta.
O mapeamento é feito a partir da análise da saliva do paciente. A coleta é feita em laboratórios, ou, em alguns casos, no próprio consultório médico, e enviada para os EUA. Os resultados ficam prontos em 40 dias e o exame custa aproximadamente R$ 1.200 reais (cada profissional consultado cobra um valor).
A Pathway Genomics, que diz já ter realizado milhares de testes em brasileiros, analisa variantes genéticas (também chamadas de polimorfismos), ou seja, características nos genes que diferenciam os indivíduos e que, em estudos científicos, foram associados a certas tendências em relação ao metabolismo.
O endocrinologista Tércio Rocha é um dos pioneiros no uso desse teste no Brasil. Ele vem oferecendo o exame desde janeiro do ano passado, com o objetivo de indicar um tratamento mais sob medida aos pacientes. "Na verdade, é mais do que personalizado: é genótipo-especializado", declara.
Ele próprio diz ter se beneficiado muito com o mapeamento. "Mudei totalmente o meu padrão de atividade física e as dores que eu tinha diminuíram bastante", conta ele, que passou a investir mais na musculação. O médico também conta que tem pacientes atletas que sentiram na carreira os benefícios das mudanças implementadas após a realização do exame. Ele cita o caso de um tenista profissional que viu seu desempenho deslanchar após descobrir que era um "perdedor" de vitaminas B6 e B12 e ser orientado sobre como evitar isso.
A nutricionista Giovana Morbi, que tem trabalhado com o mapeamento genético há alguns meses, diz que o exame ajuda especialmente pessoas que já tentaram de tudo, mas não conseguem emagrecer. Ela cita o caso de um paciente que, com a análise dos resultados, descobriu que tinha uma dificuldade de metabolizar a cafeína e também um elemento presente no brócolis. Depois de retirar os dois ingredientes da dieta, conseguiu perder 12 kg em dois meses. Segundo ela, com menos sofrimento do que se seguisse um plano alimentar genérico.
A nutricionista Daniela Jobst também menciona essa vantagem de que, com o exame, é possível ir "direto ao foco" e evitar privações desnecessárias. "É uma ferramenta a mais, mas não é milagroso, a não ser que a pessoa realmente siga o que está ali", comenta. Em outras palavras, algumas pessoas ficam desanimadas com a ideia, por exemplo, de ter que evitar o café para o resto da vida.
Para o geneticista Ciro Martinhago, diretor do departamento de genética médica SalomãoZoppi Diagnósticos, boa parte desses testes genéticos tem sido oferecidos mais de forma comercial do que utilitária. Ele esclarece que todo tipo de teste para analisar predisposição a doenças precisa ser validado na população em que o paciente vive. "A maior parte dessas variantes genéticas foram testadas na população dos EUA, e é preciso considerar que o brasileiro é um dos povos mais miscigenados do mundo", afirma.
Ele esclarece que testes genéticos que analisam mutações que levam a doenças são confiáveis. É o caso do que a atriz Angelina Jolie realizou para descobrir sua propensão ao câncer de mama e de ovário. Ou do exame que detecta intolerância à lactose. Mas, em relação a variantes genéticas, ainda não há tanta precisão e existe o risco de que, daqui a dez anos, alguém descubra que o resultado seja até o oposto ao que foi fornecido. "Ainda não conhecemos 97% do nosso DNA", observa Martinhago. Procurada pelo UOL, a geneticista Mayana Zatz também respondeu que, "infelizmente", não acredita nesses testes.
Vale dizer que os resultados enviados pela Pathway Genomics trazem logo no início o aviso de que a maior parte dos estudos refere-se a populações caucasianas. E, para cada item analisado, há uma tabela que fornece de uma a cinco estrelas, de acordo com a força científica do teste, ou seja, a quantidade e a qualidade dos estudos que levaram àquele resultado.
O endocrinologista Márcio Mancini, chefe do grupo de obesidade do HC da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, também enfatiza que estudos de polimorfismos de genes não podem ser extrapolados de forma generalista para todas as populações.
Ele comenta a revisão feita por uma aluna de mestrado, a nutricionista Ariana Fernandes, que questiona a influência de um polimorfismo do gene MC4R na ingestão aumentada de calorias e de gorduras e no consumo fora das refeições - algo que é apresentado pela Pathway Genomics com cinco estrelas de força científica. Pela análise dela, alguns estudos confirmam esses comportamentos, enquanto outros não indicam qualquer associação.
"O conhecimento atual conjunto da genética da obesidade explica menos que 3% do IMC de um indivíduo. Portanto, exceto em muito raros casos de mutações específicas, a pesquisa dessas variações pouco vai colaborar no tratamento individual", defende Mancini.
Tércio Rocha concorda que o conhecimento é dinâmico. Mas ele acredita que, somado a exames convencionais e a testes de intolerância alimentar, o mapeamento é o que existe, hoje, de mais preciso para fazer um diagnóstico mais individualizado.
Mônica Freire, diretora médica do Delboni Auriemo, primeiro laboratório brasileiro a fazer parceria com a Pathway Genomics, há cerca de um ano e meio, concorda que pessoas de origem europeia talvez tenham resultados mais consistentes, mas acredita que, quanto mais exames com diferentes populações forem realizados, mais conhecimento será extraído sobre diferentes genomas.
Fone:http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2013/07/23/
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