AS HORTALIÇAS COMO ALIMENTOS FUNCIONAIS
Embora remonte às origens da
civilização, a relação entre alimentação e saúde nunca foi tão estreita quanto
nos dias de hoje. Uma recomendação de "alimentação ideal" deve conter
doses balanceadas de proteínas, carboidratos, gorduras, fibras, vitaminas,
minerais e água. Dietas ricas em gordura, principalmente gordura saturada e
colesterol, sal e açúcar e pobres em carboidratos complexos, vitaminas e
minerais, aliadas a um estilo de vida mais sedentário, são responsáveis pelo
aumento das doenças ligadas à dieta, tais como obesidade, diabetes, problemas
cardiovasculares, hipertensão, osteoporose e câncer. Há muito tempo acredita-se
que o consumo de frutas e hortaliças auxilia na prevenção destas doenças.
A diabetes e alguns tipos de câncer,
duas das doenças mais temidas hoje pelas dificuldades terapêuticas que
apresentam e pelo alto índice de mortalidade que provocam, podem ser evitados
com uma dieta rica em frutas e hortaliças e pobre em gorduras e carnes. Mais de
200 estudos epidemiológicos foram realizados em todo o mundo para investigar o
papel das hortaliças no risco de desenvolvimento de câncer. Na maior parte
destes estudos, o consumo de uma ampla variedade de hortaliças é um denominador
comum entre grupos de baixo risco. Baseado nestes estudos, o Instituto
Americano de Pesquisa do Câncer (AICR) recomenda o consumo de uma dieta rica em
hortaliças e frutas variadas, preferencialmente cruas, para reduzir de 60% a
70% o risco de desenvolver alguma forma de câncer. O mesmo é verdade para a
diabetes, cujo tratamento inclui a restrição da ingestão de alimentos ricos em
açúcar, gordura e álcool, substituindo-os por frutas, cereais integrais, grãos,
lacticínios desnatados e hortaliças.
Assim, o papel da nutrição hoje vai
além da ênfase sobre a importância de uma dieta balanceada, devendo almejar a
otimização da nutrição, com o objetivo de maximizar as funções fisiológicas e
garantir o aumento da saúde e bem-estar e a redução do risco de doenças.
Estudos epidemiológicos conduzidos em
animais mostraram que determinados componentes das frutas e hortaliças são
capazes de prevenir o câncer e doenças coronarianas diretamente ou via
interações complexas com os processos metabólicos e moleculares do organismo.
Estes estudos levaram a Agência de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA)
a aprovar a alegação de que tais alimentos são benéficos à saúde. Segundo o ADA
Reports, a ingestão recomendada de frutas e hortaliças é de cinco a nove
porções (xícara, unidade ou fatia média) por dia.
As hortaliças são um importante
componente da dieta, sendo tradicionalmente servidas junto com um alimento
protéico (carne ou peixe) e um carboidrato (massa ou arroz). Fornecem não
apenas variedade de cor e textura às refeições, mas também nutrientes
importantes. As hortaliças têm pouca gordura e calorias, relativamente pouca
proteína, mas são ricas em carboidratos e fibras e fornecem níveis
significativos de micronutrientes à dieta. Além disso, as hortaliças possuem
uma variada gama de compostos funcionais (veja Tabela 1).
Compostos funcionais presentes nas hortaliças
Fibras, amido resistente e inulina
Fibra alimentar é o componente do
alimento que não é digerido pelo homem devido à ausência de enzimas específicas
ou à incapacidade das enzimas presentes no trato gastrointestinal de
completarem a digestão. As paredes celulares das hortaliças, compostas
principalmente por celulose, hemicelulose, pectinas, proteínas e polifenóis,
são a principal fonte de fibras dietéticas. As fibras não são digeridas ou absorvidas
no intestino delgado, mas são fermentadas por bactérias presentes no cólon
(intestino grosso), produzindo ácido lático e ácidos graxos de cadeia curta
como os ácidos acético, propiônico e butírico, que podem reduzir o colesterol
circulante no sangue. O consumo adequado de fibras previne a prisão de ventre e
as hemorroidas e pode auxiliar na prevenção da obesidade, diabetes, câncer de
cólon, úlceras e doenças coronarianas.
Muitas organizações de saúde sugerem a
ingestão de 20 a 35 g de fibras ao dia, mas não existe uma recomendação de
ingestão oficial. O consumo excessivo de fontes isoladas de fibra pode impedir
a absorção de nutrientes importantes, podendo levar até à obstrução intestinal.
O amido é um carboidrato complexo
formado por unidades de glicose e constituído de duas frações: amilose e
amilopectina. No início dos anos 80, foi descoberto que uma parte do amido
dietético não era digerida e absorvida no intestino delgado. Esta parte foi
chamada de amido resistente. Entre 7 a 10% do amido de trigo, aveia e batata e
20% do de feijão cozido podem chegar ao cólon, onde são fermentados pela
microflora e convertidos em ácidos graxos de cadeia curta. O amido resistente
aumenta a absorção de Ca, Mg, Fe, Zn e Cu e reduz o colesterol e os
triglicerídeos plasmáticos, além de auxiliar na prevenção do câncer de cólon.
A inulina é um carboidrato complexo,
pertencente à classe das frutanas, encontrado em raízes de chicória, alho e
cebola. Ela apresenta as mesmas propriedades das fibras solúveis, tais como a
habilidade de reduzir os lipídeos circulantes e estabilizar a glicose
sanguínea. Além disso, a inulina é um agente pré-biótico, influenciando
positivamente a composição microbiana do trato gastrointestinal. O consumo de
inulina aumenta significativamente a absorção de cálcio em meninas.
Antioxidantes: carotenóides, vitamina C e
polifenóis
Uma das principais teorias que explicam
o poder curativo e preventivo dos alimentos baseia-se na presença de
antioxidantes. Muitos de nossos problemas de saúde devem-se à ação de formas
tóxicas do oxigênio (oxidantes) responsáveis por processos de oxidação que
atuam na obstrução das artérias, transformação das células em células
cancerosas, ocasionam problemas nas articulações e mau funcionamento do sistema
nervoso, além de estarem associadas ao envelhecimento. Os oxidantes derivam de
processos metabólicos normais, como a respiração, ou são oriundos do ambiente
(poluentes do ar, pesticidas, fumo, drogas). Eles assumem várias formas e
aspectos, sendo a mais comum a dos radicais livres. Em pequena quantidade, os
oxidantes são importantes na renovação das membranas celulares, na resposta
inflamatória e no combate a microorganismos. Porém, quando em excesso, podem
atacar o DNA das células, provocando mutações. Também atacam as moléculas de
gordura que compõem as membranas celulares, destruindo a sua estrutura.
Acredita-se que estes processos são os eventos iniciais da patogenia de doenças
tais como câncer, doenças cardiovasculares e degeneração celular no processo de
envelhecimento.
O organismo dispõe de sistemas de
defesa enzimáticos específicos, presentes nos locais de produção dos radicais
livres, além de antioxidantes, substâncias capazes de neutralizar os oxidantes,
que mantêm os mesmos em concentrações muito baixas. Além dos antioxidantes
endógenos, próprios do corpo, existem substâncias obtidas da alimentação que
ajudam a combater a formação e ação dos radicais livres. Os antioxidantes
exógenos são fitoquímicos, vitaminas e minerais que atuam atrasando ou inibindo
o início ou a propagação das reações de oxidação em cadeia que levam ao dano
celular. As frutas e hortaliças são ricas nestes compostos.
Os carotenóides são uma classe de
pigmentos amarelo-alaranjado-vermelhos distribuídos em várias frutas,
hortaliças, temperos e ervas. De várias centenas de carotenóides que ocorrem
naturalmente, apenas 50 têm atividade biológica significativa. Uma importante
função de alguns carotenóides é o seu papel como precursores de vitamina A,
podendo ser agrupados em dois grupos: com e sem atividade de pró-vitamina A.
A vitamina A pré-formada é encontrada
apenas em alimentos de origem animal. Sua deficiência é um problema sério de
saúde pública, sendo a maior causa de mortalidade infantil em países em
desenvolvimento. Uma deficiência prolongada pode produzir alterações na pele,
cegueira noturna, ulcerações na córnea que podem levar à cegueira, distúrbios
de crescimento e dificuldade de aprendizado na infância. Por outro lado, a
vitamina A em excesso é tóxica, podendo causar má formação congênita se
ingerida em excesso durante a gravidez e doenças ósseas em portadores de
deficiência renal crônica. Os carotenóides são convertidos em vitamina A, à
medida que o organismo necessita, com graus variáveis de eficiência. As formas
de caroteno pró-vitamina A são encontradas nas hortaliças folhosas
verde-escuras e nas amarelo-alaranjadas. Cores mais escuras estão associadas a
maiores teores de pró-vitamina). O betacaroteno é o carotenóide pró-vitamina A
mais ativo. Ele é um pigmento laranja termolábil, sensível à luz e ao oxigênio,
e que está associado à proteção contra doenças cardíacas e câncer. Um estudo
realizado na Universidade do Estado de Nova York, em Buffalo, mostrou que o
consumo de hortaliças ricas em betacaroteno, mais de uma vez por semana,
diminui significativamente o risco de câncer pulmonar em relação ao risco dos
indivíduos que não consomem hortaliças.
O licopeno é um pigmento vermelho que
ocorre naturalmente apenas em tecidos de hortaliças e algas. Ele é encontrado
em elevada concentração em tomate e seus produtos derivados, sendo o
antioxidante mais eficiente dentre todos os carotenóides testados o dobro da
atividade do betacaroteno. Estudos mostram que o licopeno na dieta está
relacionado à redução da incidência de certos tipos de câncer e o seu nível no
tecido adiposo foi relacionado à redução do risco de ataque cardíaco. A luteína
e a zeaxantina são carotenóides armazenados em nosso organismo na retina e na
lente do olho, relacionados à redução do risco de catarata e de degeneração
macular. Ambas estão presentes em hortaliças folhosas de coloração verde e
verde escura, como brócolos, couve-de-bruxelas, espinafre e salsa.
O ácido ascórbico (vitamina C) é o
micronutriente mais associado a frutas e hortaliças, que fornecem mais de 90%
desta vitamina à dieta humana. A vitamina C é necessária à prevenção do
escorbuto e manutenção da saúde da pele, gengivas e vasos sanguíneos. Também
possui diversas funções biológicas na formação de colágeno, absorção de ferro
inorgânico, redução do nível de colesterol, inibição da formação de
nitrosaminas e fortalecimento do sistema imunológico. Como antioxidante, reduz
o risco de aterosclerose, doenças cardiovasculares e algumas formas de câncer.
A vitamina C está presente em diversas
frutas e hortaliças como acerola, frutos cítricos, goiaba, morangos, brócolos,
couve-flor, espinafre, pimenta, pimentão e repolho, dentre outros. Muitos
fatores pré e pós-colheita influenciam a sua concentração, desde a cultivar
utilizada até condições climáticas, práticas de plantio, método de colheita e
processamento.
Os polifenóis são os antioxidantes mais
abundantes da dieta. Esta classe compreende uma diversidade de compostos,
dentre eles flavonóides (berinjela, morango), flavinóides (batata, repolho
branco), ácidos fenólicos, cumarinas, taninos e lignina. Eles participam dos
processos metabólicos responsáveis pela cor, adstringência e aroma dos
alimentos. Todos possuem propriedades anticarcinogênicas, anti-inflamatórias e
antialérgicas.
Subclasse dos fenóis, exercem efeitos
sobre várias enzimas metabólicas e de sinalização, atuando contra radicais
livres, processos inflamatórios, alergias, agregação plaquetária, úlceras,
vírus, tumores e hepatotoxinas. Há evidências que seu consumo regular reduz o
risco de morte por doenças coronarianas. Está presente na maioria das espécies.
Outras formas de ação
As substâncias funcionais não são todas
antioxidantes. Elas também podem proteger o organismo por meio de outros
mecanismos, tais como: indução ou inibição de enzimas; remoção de metabólitos
reativos; e indução da apoptose (morte celular).
O ácido fólico ou folato, vitamina
pertencente ao complexo B (vitamina B9), participa do metabolismo dos
aminoácidos e da síntese dos ácidos nucléicos. É essencial para a formação das
células do sangue. A deficiência de folato pode ser a hipovitaminose mais
comum. Ela resulta em baixo crescimento, anemia megaloblástica (má formação dos
glóbulos vermelhos), elevados níveis de homocisteína circulante e risco
aumentado de doenças coronarianas. O teor de homocisteína é um fator de risco
independente, não relacionado ao colesterol, hipertensão ou diabetes.
A ingestão diária recomendada (IDR)
para o folato é de 3mg por kg de massa corpórea. As ingestões dietéticas
adicionais recomendadas para o período pré-concepção, gestação e lactação não
são facilmente atingidas sem suplementação. O folato é amplamente encontrado
nos alimentos. As melhores fontes são fígado, feijão, hortaliças de folhas
verde-escuras, principalmente aspargo, brócolos e espinafre, e frutas como
abacate, laranja, morango e tomate. Entre 25 e 50% do folato da dieta é
nutricionalmente disponível. De 50 a 95% é perdido durante o processamento e o
preparo doméstico do alimento, principalmente em altas temperaturas. Uma perda
considerável ocorre durante o armazenamento de hortaliças à temperatura
ambiente. Assim, recomenda-se o consumo de hortaliças frescas e cruas ou pouco
cozidas. O álcool interfere na sua absorção e/ou aumenta a sua excreção. O
folato é destruído por drogas, anticoncepcionais e cafeína.
O selênio é um mineral-traço essencial,
ou seja, o organismo necessita dele em quantidades mínimas, tornando-se tóxico
em altas doses. Deficiências de selênio ocorrem na maioria dos animais de
sangue quente, gerando catarata, distrofia muscular, depressão, necrose do fígado,
infertilidade, doenças cardíacas e câncer.
Este mineral oferece proteção contra
doenças crônicas associadas ao envelhecimento, como aterosclerose (doenças das
artérias coronarianas, cerebrovascular e vascular periférica), câncer, artrite,
cirrose e efisema. Está presente, entre outros alimentos, em brócolos, couve,
aipo, pepino, cebola, alho e rabanete.
Os glicosinolatos formam um grande
grupo de glicosídeos sulfurados. Eles podem ser produzidos ou perdidos pelas
hortaliças durante o armazenamento. O processamento pode degradar os
glicosinolatos, porém a inativação enzimática pelo calor os preserva.
Os indóis estimulam a produção de
enzimas que inibem a atividade do estrogênio. Dessa forma, reduzem o risco de
cânceres dependentes do estrogênio (câncer de mama e de útero). Estão presentes
em brócolos, couve-flor, mostarda e repolho.
Os isotiocianatos estão presentes em
brássicas, como couve-de-bruxelas, couve-flor, nabo e repolho. Inibem o
metabolismo e o ataque ao DNA de várias nitrosaminas (substâncias carcinogênicas).
Em experimentos feitos com ratos e camundongos, estes compostos inibiram
tumores de pulmão e esôfago.
O sulforafane: Presente principalmente
no brócolos, têm ação bactericida contra a Helicobacter pylori, causadora de
úlcera e câncer de estômago.
Conclusão
Nenhum alimento isolado deve ser
ingerido em detrimento de outros para prevenir uma doença específica.
Diferentes alimentos fornecem diferentes substâncias vitais para a saúde.
Portanto, uma dieta alimentar variada é essencial.
Apesar da qualidade nutricional das
hortaliças, ricas em vitaminas, sais minerais, fibras e fitoquímicos, as
hortaliças ainda não fazem parte da dieta da maioria dos brasileiros. Segundo
dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003 realizada pelo IBGE, o
consumo per capita de hortaliças frescas nas principais regiões metropolitanas
do país é, em média, de 29 kg ano-1 (IBGE, 2003). Este quadro pode ser
melhorado por meio da divulgação para o público consumidor das qualidades
destes alimentos. Incentivos para a produção e consumo de mais hortaliças em
uma dada comunidade permitiriam que alterações nos hábitos alimentares
individuais fossem realizadas mais facilmente. Tal investimento seria
fundamental na redução dos gastos da saúde pública com doenças crônicas e
degenerativas. Além disso, o estabelecimento de programas de melhoramento com
foco no incremento do teor e tipos de compostos funcionais pode contribuir de
forma efetiva na melhoria do perfil nutricional da população brasileira.
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