Aumenta quantidade de agrotóxicos liberados pela Anvisa; Mogi tem programa para conscientizar agricultores — Foto: Reprodução/TV Diário
Número de agrotóxicos registrados em 2019 é o maior da série histórica; 94,5% são genéricos, diz governo
Foram liberados 474, sendo 26 inéditos e 448 baseados em princípios ativos ou produtos já existentes. Do total, 40 são defensivos biológicos e orgânicos.
O Brasil aprovou o registro de 474 agrotóxicos em 2019, maior número documentado pelo Ministério da Agricultura, que divulga esses dados desde 2005.
É um volume 5,5% maior do que o de 2018, quando foram liberados 449 pesticidas — um recorde até então. Os registros vêm crescendo no país desde 2016.
Do total de 2019, 26 dos pesticidas são inéditos (5,4%) e 448 são genéricos (94,5%), ou seja, são "cópias" de princípios ativos inéditos — que podem ser feitas quando caem as patentes — ou produtos finais baseados em ingredientes já existentes no mercado.
Registro de agrotóxico bate novo recorde em 2019, considerando série histórica — Foto: Juliane Souza/G1
A última leva de liberações do ano foi publicada na última sexta-feira (27), no "Diário Oficial da União", com 36 agrotóxicos, todos genéricos.
Até novembro, o total estava em 439, mas um registro divulgado durante o ano acabou suspenso por erro, totalizando os 474 em dezembro.
De todos os produtos liberados ao longo do ano, 40 são biológicos (8,4%). Pela legislação brasileira, tanto esses produtos, utilizados na agricultura orgânica, quanto os químicos, aplicados na produção convencional, são considerados agrotóxicos.
Inéditos
Dos 26 produtos inéditos aprovados em 2019:
- 3 são novos princípios ativos químicos (o que o ministério chama de produtos técnicos), que poderão ser usados dali para frente em produtos finais;
- 19 são novos produtos finais (aqueles que chegam às lojas), também químicos, chamados pelo ministério de produtos formulados;
- 3 são agrotóxicos biológicos novos (organismos vivos);
- 1 é classificado como atípíco, porque, segundo o ministério, não se enquadra nas demais classificações, por ser um óleo a base de casca de laranja.
Os princípios ativos químicos novos foram Florpirauxifen-benzil, Fluopiram e Dinotefuran.
O Dinotefuran é um inseticida considerado "extremamente tóxico" na classificação da Anvisa, reformulada neste ano, para o uso da indústria. O registro foi divulgado em setembro e, no mês seguinte, saiu a liberação para produtos finais à base dele, que são classificados como "produto Improvável de causar dano agudo", categoria 5 da Anvisa.
Segundo o ministério, esses produtos terão limite de dose máxima permitida e proibição de uso no período de floração dos cultivos, restrições estabelecidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para a proteção de insetos polinizadores, como as abelhas.
Ele não tem registro na União Europeia e está em reavaliação nos Estados Unidos. Pode ser utilizado no controle de sugadores, como percevejos, e, no Brasil, pode ser aplicado em 16 culturas, como arroz, aveia, batata, café, cana, centeio, cevada, citros, feijão, milho, pastagem, soja, tomate e trigo.
O Florpirauxifen-benzil é a base do produto técnico Rinksor, da Corteva Agriscience (empresa que surgiu da fusão das marcas Dow e DuPont). Também foram autorizados produtos finais feitos com este hercibida, considerado "medianamente tóxico" pela Anvisa. Ele é liberado na UE e está em análise nos EUA e poderá ser usado em plantações de arroz.
O Fluopiram é usado para matar fungos e, ao mesmo tempo em que seu registro foi divulgado, em setembro, também saiu a liberação do produto formulado (final). É indicado para combater parasitas que atacam a raízes das plantas e tem autorização para 7 culturas: algodão, batata, café, cana-de-açúcar, feijão, milho e soja.
O Ministério da Agricultura afirmou que o produto estava na fila para registro no Brasil havia 10 anos. Ele é classificado pela Anvisa como "medianamente tóxico" e é autorizado nos EUA e na UE.
Um princípio ativo cujo registro foi concedido no fim de 2018, o sulfoxaflor, só foi ter produtos formulados (finais) registrados em 2019. Ele é relacionado à redução de enxames de abelhas e está em estudo no exterior.
Segundo o governo, o uso do agrotóxico no Brasil deverá seguir as orientações estabelecidas pelo Ibama, como evitar a aplicação em períodos de floração das culturas e seguir as dosagens máximas do produto e de distâncias mínimas de aplicação em relação à bordadura para a proteção de abelhas sem ferrão.
Ritmo alto de liberações
Além de recorde de registros, 2019 teve o maior ritmo de liberações dos últimos anos.
Segundo o governo, isso se deve a medidas de desburocratização que foram adotadas desde 2015 para acelerar o andamento da fila de registros.
De acordo com o Ministério da Agricultura, o objetivo é aprovar novas moléculas, menos tóxicas e ambientalmente mais corretas, para substituir produtos antigos. Isso porque as empresas que desenvolvem agrotóxicos só podem registrar itens de ação parecida se eles tiverem um risco à saúde menor ou igual do que os que já estão no mercado.
Ainda segundo o governo, a liberação de mais agrotóxicos também aumenta a concorrência no mercado e diminui o preço dos defensivos, o que faz cair o custo de produção.
A associação que representa as fabricantes de agrotóxicos (Andef) afirma que a fila para aprovações de agrotóxicos no Brasil é mais lenta em comparação com a da União Europeia e dos Estados Unidos.
Segundo as empresas, o desenvolvimento de 1 princípio ativo inédito para agrotóxico leva de 10 a 11 anos e custa em torno de US$ 286 milhões.
Agrônomos afirmam que é melhor ter mais produtos registrados do que correr o risco de que os produtores recorram a agrotóxicos "piratas", mas alertam que, quanto maior o uso, mais resistência as pragas têm ao veneno.
Para ambientalistas, no entanto, a aceleração do ritmo de aprovações é uma forma de o governo colocar em prática tópicos do polêmico projeto de lei 6.299/02, que ficou conhecido como "pacote do veneno", que ainda está em discussão na Câmara dos Deputados.
Como funciona o registro
O aval para um novo agrotóxico no país passa por 3 órgãos reguladores:
- Anvisa, que avalia os riscos à saúde;
- Ibama, que analisa os perigos ambientais;
- Ministério da Agricultura, que analisa se ele é eficaz para matar pragas e doenças no campo. É a pasta que formaliza o registro, desde que o produto tenha sido aprovado por todos os órgãos.
Tipos de registros de agrotóxicos:
- Produto técnico: princípio ativo novo; não comercializado, vai na composição de produtos que serão vendidos.
- Produto técnico equivalente: "cópias" de princípios ativos inéditos, que podem ser feitas quando caem as patentes e vão ser usadas na formulação de produtos comerciais. É comum as empresas registrarem um mesmo princípio ativo várias vezes, para poder fabricar venenos específicos para plantações diferentes, por exemplo;
- Produto formulado: é o produto final, aquilo que chega para o agricultor;
- Produto formulado equivalente: produto final "genérico".
Por que a produção de alimentos depende tanto de agrotóxicos?
Agrônomos dizem que modelo atual de grandes culturas levou ao uso elevado. E apontam quais soluções podem reduzir a aplicação dos pesticidas.
Nas grandes culturas,
os agrotóxicos são aplicados por pulverizadores, máquinas que possuem regulagem
própria para evitar uso em excesso dos pesticidas — Foto: Érico Andrade/G1
O jeito de se produzir alimentos em larga escala e quase o ano todo fez com que agricultores ficassem dependentes do uso de agrotóxicos, dizem agrônomos.
Por outro lado, quando mais se aplica o veneno, mais a praga cria resistência. E ele vai perdendo sua eficiência.
"Apesar de toda a parafernália química, a indústria de agrotóxicos jamais conseguiu eliminar uma espécie daninha e diminuir as perdas causadas por elas, perdas essas que continuam as mesmas de 40 anos atrás", afirma o pesquisador brasileiro e PhD em agronomia Adilson Paschoal, criador do termo "agrotóxico".
Cada vez mais o ingrediente-base do agrotóxico (princípio ativo)
acaba tendo que ser misturado a outros para funcionar melhor. Hoje, 330 são
registrados no Brasil. Na União Europeia, são 466 e, nos Estados Unidos,
aproximadamente 500 (veja os mais vendidos e
onde são usados).
Para ir além das polêmicas, o G1 pediu a agrônomos
que explicassem, tecnicamente, como se dá essa dependência dos agrotóxicos,
para que servem e que soluções podem existir para reduzir o uso.
O que é um
agrotóxico?
A palavra agrotóxico é usada particularmente no Brasil —
no exterior, o termo mais comum é pesticida.
São produtos químicos usados na
produção agrícola, manutenção de pastagens e proteção de florestas plantadas.
Pela legislação brasileira, produtos biológicos e orgânicos com o mesmo fim
também são considerados agrotóxicos.
A base é chamada de princípio ativo: ele sozinho ou
misturado a outros vai dar origem aos produtos que serão vendidos para os
agricultores. Eles podem ser líquidos ou sólidos (em pó ou granulados).
Para que serve?
Essas substâncias
mudam a composição da flora e da fauna, para acabar com as ervas que
"competem" com a plantação principal, além de fungos e insetos que
podem danificar essa lavoura.
Por que ele é
polêmico?
Justamente pela característica de alterar a flora e fauna. Para
ambientalistas, o produto químico muda a naturalidade do ecossistema de onde
ele é aplicado, o que cria uma nova população de insetos, bactérias e ervas
daninhas que não são necessariamente próprias da região.
Se mal aplicado, o agrotóxico também
pode atingir lavouras vizinhas, criando problemas para produções orgânicas ou,
até mesmo, matar plantações e florestas sensíveis ao produto químico. Isso sem
contar os riscos que os
trabalhadores rurais correm se o produto não for usado da
maneira correta.
Além disso, o veneno mal utilizado pode
ser responsável pela morte de abelhas,
insetos importantíssimos para garantir a polinização das plantas, um processo
fundamental no ciclo da agricultura.
Pelo menos cinco
milhões de abelhas foram encontradas mortas em São José das Missões (RS) em
janeiro deste ano — Foto: Batalhão Ambiental da Brigada Militar/Divulgação
Outro ponto é que o agrotóxico pode deixar resíduos nos alimentos e
no lençol freático, atingindo água de rios.
No caso da comida, em alguns casos, o
pesticida fica apenas na casca do produto, podendo ser eliminado em uma
lavagem. Em outras situações, ele age dentro do organismo da planta e de seus
frutos, e não é possível eliminar
100% desse residual.
No Brasil, existe uma legislação que
define limites seguros para a ingestão desses resíduos. Mas quem é contra o uso
dos pesticidas afirma que não existe nenhuma prova científica que garanta que
consumir resíduos de agrotóxicos em níveis considerados seguros pela lei vai
evitar efeitos colaterais.
Como age o
agrotóxico?
Para cada
"alvo", existe um tipo:
·
Herbicida: age contra ervas daninhas;
·
Fungicida: contra fungos que causam
doenças;
·
Inseticida: contra insetos
Inseticidas e
fungicidas costumam ser usados antes do plantio, no tratamento das sementes,
assim como os herbicidas, mas também podem atuar depois da colheita, para
evitar a proliferação de doenças durante o armazenamento dos produtos. Veja
como cada tipo age:
Herbicida
Impede a fotossíntese das ervas
daninhas para que elas morram e não roubem luz do sol e nutrientes da plantação
principal.
O tipo mais usado entra no organismo da
erva e a mata por completo (das folhas à raiz). Existem herbicidas que agem apenas
nas folhas; com isso, as raízes ficam sem utilidade e morrem.
Fungicidas
Fazem as células dos fungos entrarem em
colapso, inibindo a entrada de ar e energia que esses organismos precisam para
se multiplicar.
Inseticidas
Matam insetos nocivos às lavouras, que
são aqueles que sugam a seiva (o "sangue" da planta), introduzem
doenças e se alimentam de partes fundamentais para o desenvolvimento da
plantação.
Todos os inseticidas agem no sistema
nervoso dos insetos ou ácaros. Uns causam excitação, convulsão, paralisia até a
morte. Outros podem inibir o apetite desses seres, fazendo com que eles morram
por desnutrição ou desidratação.
Por que se usa tanto
agrotóxico?
Os agrônomos listam
5 motivos para isso:
1. o tamanho da área plantada;
2.
modelo de produção em larga escala;
3.
o clima favorável às pragas o ano todo (caso de países como o
Brasil);
4.
o aumento da resistência delas aos pesticidas;
5.
a dificuldade de encontrar novas substâncias que tenham o mesmo
efeito.
1) O tamanho da área plantada
Líder em soja e
café, o Brasil é um dos principais exportadores de grãos do mundo e tem uma das
maiores áreas plantadas.
"O maior drama para culturas
anuais de grãos é o controle do mato (ervas daninhas)", explica o
professor da Esalq-USP Carlos Armênio Khatounian. O controle manual, feito
normalmente com enxadas, se torna difícil – para não dizer impossível – em
grandes áreas.
O Brasil foi o país que mais gastou com agrotóxicos em 2017 (US$
8,8 bilhões), segundo a consultoria inglesa Phillips McDougall. Mas,
considerando a área plantada, de 63,9 milhões de hectares, o país ficou em 7º no
ranking mundial de gastos com pesticidas.
Nas primeiras posições ficaram Japão,
França, Alemanha e Estados Unidos, por exemplo. EUA e União Europeia têm mais
área plantada que o Brasil.
Brasil ocupou 7º lugar na lista de países que mais
usaram agrotóxicos por área plantada em 2019 — Foto: Betta Jaworski/G1
2) Modelo de produção em larga
escala
O modelo de produção
em larga escala tornou os grandes produtores dependentes dos agrotóxicos, dizem
os agrônomos. Ele gerou a necessidade de se colher mais em uma mesma área
plantada.
Caio Carbonari, professor da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), entende que o
agricultor acaba tendo que decidir entre aumentar a produtividade numa mesma
área ou buscar novas (desmatamento legal).
"Não
é possível fazer produção comercial sem pesticidas. O produtor tem uma escolha:
abertura de área ou produtividade. Se você não apostar em tecnologia para
aumentar a produtividade, tem que ampliar área", afirma Carbonari.
"O uso de
defensivos químicos ou orgânicos oferece vantagem para evitar a abertura de
áreas”, concorda Roberto Rodrigues, engenheiro agrônomo e ex-ministro da
Agricultura.
Apesar disso, não é possível dizer que
o uso de agrotóxicos impeça o desmatamento ilegal, segundo os especialistas.
Este é um problema muito complexo para ser associado apenas à produtividade,
afirma Carlos Armênio Khatounian, da Esalq-USP. Ele explica que cada região do
país enfrenta um problema específico, muito mais ligado à especulação do valor
das áreas.
Outra crítica ao modelo de produção em
larga escala é que, para aumentar a produtividade em um mesmo local, as plantas
passaram a ser reféns dos agrotóxicos. No melhoramento genético de sementes, o
foco é a produtividade, e não a defesa, explica o pesquisador Adilson Paschoal.
"Apesar
de mais produtivo, o modelo industrial do agronegócio é energeticamente
ineficiente", diz o especialista.
Segundo ele, esse modelo acabou beneficiando as fabricantes dos
pesticidas, já que uma planta desenvolvida para ser mais produtiva não
conseguiria sobreviver em condições normais.
Vale lembrar que os principais
agrotóxicos são feitos por empresas que também desenvolvem sementes para as
grandes culturas.
Segundo a segundo a consultoria inglesa
Phillips McDougall, o Brasil foi o 13º país que mais gastou com agrotóxicos em
2017, levando em conta a produção.
Brasil ocupou 13ª posição no ranking de países que
mais usaram agrotóxicos por área plantada em 2017 — Foto: Roberta Jaworski/G1
3) Clima favorável às pragas o
ano todo
Segundo agrônomos,
ao contrário de outros países, especialmente os do hemisfério norte, o clima
tropical do Brasil é muito mais propenso ao ataque de pragas. Em países da
Europa e certas regiões dos EUA, a neve mata boa parte dos problemas de uma
lavoura comercial.
Por outro lado, o clima quente permite produzir três safras no ano (uma no verão,
uma no inverno e uma entre esses dois períodos). A maior parte dela é de soja,
milho e trigo, culturas que podem ter alguns problemas em comum.
Essa frequência de safras deixa a
chamada "ponte
verde" que, como o nome sugere, mantém condições para que as
pragas permaneçam na área de lavoura.
“Nós
fazemos uma agricultura intensiva, uma boa parte do país faz duas safras, até
três. Isso significa uma manutenção permanente (de pragas e doenças). Não
existe solução para evitar essa continuidade que não seja o defensivo”, diz
Roberto Rodrigues.
4) Aumento da resistência
O uso de agrotóxicos
fez surgir novas pragas e também tornou algumas mais resistentes aos
pesticidas.
"Quando você começa a aplicar
venenos, você desencadeia outros problemas. Na soja, a principal praga era a
lagarta-da-soja. Com o controle químico, surgiram outras, como a
falsa-medideira", destaca Carlos Armênio Khatounian, da Esalq-USP.
“Insetos, ácaros e nematoides têm a seu
favor no mínimo 480 milhões de anos de existência antes do ser humano (plantas
daninhas, fungos, bactérias têm muito mais tempo ainda), daí seu enorme
potencial de se adaptarem e evoluírem, resistindo ao uso de produtos
desenvolvidos para exterminá-los”, lembra o pesquisador Adilson Paschoal.
Para aumentar a efetividade dos agrotóxicos, têm sido feitas
misturas com mais de um princípio ativo (base do agrotóxico), o que faz
aumentar o uso de veneno.
"O
erro está exatamente aí: o agrotóxico combate o efeito (a praga, o patógeno) e
não a causa, isto é, os fatores que desencadeiam os ataques", resume
Paschoal.
"Por isso o
modelo químico de agricultura falha pelo seu princípio, e o uso de venenos tem
de ser contínuo, no benefício apenas das companhias agroquímicas",
completa.
5) Sem equivalentes biológicos
Para alguns insetos
já existe a opção de controle biológico. A produção de cana-de-açúcar e a de
laranja são exemplos: atualmente, agricultores contam com produtos que matam
pragas importantes, como a broca, psilídeo e a cigarrinha.
Vespinha é usada por
citricultores para combater inseto que transmite doença. — Foto: Reprodução EPTV
Mas, por outro lado, ainda não encontraram um substituto para o glifosato,
por exemplo. O agrotóxico mais usado no
mundo, é aplicado nas principais lavouras, como as de soja e
milho.
Seu diferencial, segundo agrônomos, é
ter mais eficiência no controle de uma quantidade maior de plantas daninhas do
que outros produtos.
“O glifosato é base do plantio direto
(técnica de cultivo que utiliza a palhada para proteger o solo da erosão). Não
existe produto com característica similares”, explica Caio Carbonari, da Unesp.
Em encontro com jornalistas no início
de agosto, a Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio)
afirmou que os defensivos biológicos disponíveis no mercado são, em sua
maioria, inseticidas, enquanto fungicidas e herbicidas estão em pesquisa ainda,
não existindo produtos comprovadamente eficientes à disposição do agricultor.
Produtor só usa
'porque precisa'
Os especialistas
concordam que os agricultores não têm nenhum prazer em utilizar agrotóxicos.
"Se
pudessem, eles (produtores) não usariam veneno. Não é porque gostam. É uma
imagem falsa. Não tem nenhum orgasmo", diz Khatounian, da Esalq-USP.
Os agricultores
afirmam que o registro de novos agrotóxicos, sejam eles genéricos ou inéditos,
não estimulam o uso. O motivo é que os pesticidas são caros. O gasto médio com
defensivos na soja em Mato Grosso, maior produtor do país, por exemplo,
equivale a 21% dos custos da lavoura. São R$ 830 por hectare.
Além disso, existe toda uma burocracia que precisa ser seguida
para comprar e aplicar os pesticidas, como receituário e devolução das
embalagens.
"A produção de commodities tem uma
margem de lucro pequena. Se o agricultor puder gastar menos, ele vai buscar. Se
ele entender que pode perder, vai fazer de tudo para não perder", reforça
Khatounian.
"Ele (o agricultor) toma a decisão
em cima de problemas econômicos. O ideal era não usar nada. O custo das
moléculas e da aplicação são muito altos, sem falar no custo ambiental",
completa Jacinto Batista, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Afinal, existe
saída?
Veja 5 soluções
apontadas pelos agrônomos:
1. mudar modelo de produção
2.
maior volume de orgânicos
3.
ampliar defensivos biológicos
4.
adoção de agrotóxicos mais modernos
5.
uso mais racional
1) Mudar o modelo de produção
“Tem-se que mudar o
modelo agrícola atual, que não foi desenvolvido por profissionais da área
agronômica e para os agricultores, mas pelas multinacionais dos agrotóxicos e
para seus interesses particulares”, diz Adilson Paschoal.
O biólogo americano
Nathan Doley, que publicou um estudo recente sobre o uso de pesticidas nos EUA,
acredita que o caminho é tentar equilibrar natureza e manejo. Ele fala em
"trabalhar com a natureza, em vez de contra ela" e "interromper
o método tradicional de cultivar uma monocultura de culturas em grandes áreas
de terra".
"É preciso alterar o modelo, passando-se a adotar manejo
integrado de pragas, patógenos e invasoras (em que o controle químico é o
último recurso), controle biológico, variedades resistentes e tolerantes, cuja
produtividade pode ser aumentada não apenas por melhoramento genético, mas
também por manejo correto do solo, rotação de culturas, culturas intercalares e
enriquecedoras do solo", afirma Paschoal.
2) Maior volume de orgânicos
Se na lavouras das
commodities agrícolas ainda não é possível abrir mão totalmente desses produtos
químicos, na produção de frutas e hortaliças já é, acredita Carlos Armênio
Khatounian, da Esalq-USP.
O gargalo dos orgânicos é não ter
produção em larga escala. O desafio é "achar o meio termo para ter um
aumento razoável sem fragilizar a planta", afirma o agrônomo da Esalq-USP.
Mesmo assim, segundo os especialistas,
isso vai requerer uma mudança no padrão de consumo, assumindo que não é
possível ter uma fruta ou hortaliça o ano todo.
"A
produção orgânica consegue tranquilamente abastecer o mercado com variedade,
mas não com as mesmas plantas. Isso porque a produção orgânica trabalha com o
ambiente ideal da cultura, então o consumidor tem que se acostumar que não vai
ter morango o ano todo, tomate o ano todo...", explica Khatounian.
3)
Mais defensivos biológicos
Para o ex-ministro
Roberto Rodrigues, com o tempo haverá uma provável substituição dos defensivos
químicos pelos biológicos. "Serão anos de pesquisa até se ter uma base,
mas existe uma luz (no fim do túnel)”, afirma.
4) Agrotóxicos mais modernos
O ritmo de liberação de novos agrotóxicos neste ano é o mais alto da
série histórica no Brasil. Caio Carbonari entende que os pesticidas mais novos
tendem a ser menos tóxicos e seu uso passa a ser é menor.
Para
o uso de cada 100 ml de um produto antigo, são necessários apenas 9 ml do
produto novo, diz o professor da Unesp.
"Todos os
(novos agrotóxicos) que estão na fila (de registro do Ministério da
Agricultura) têm 9% da dose média dos produtos que estão no mercado que foram
desenvolvidos na década de 1970", afirma.
Jacinto Batista diz também que, para
ele, o registro de agrotóxicos, sendo genéricos ou novos, não é um problema em
si. O professor da UFPB afirma o governo definindo quanto pode ser usado
garante mais segurança para consumidores e aplicadores.
"Se
produto for usado fora das recomendações ou falsificado, o dano é maior. Um dos
grandes problemas da autorização não é ela, mas, sim, a falta de
reavaliação", explica.
5)
Uso mais racional
Para os
especialistas, a pesquisa e a capacitação dos aplicadores de agrotóxicos podem
garantir um uso mais racional do produto.
A Embrapa e outras empresas de pesquisa
agropecuárias estimulam os produtores a adotarem o Manejo Integrado de Pragas
(MIP), que é uma série de táticas que o agricultor utiliza para evitar o uso
desnecessário de agrotóxicos.
Nele, os produtores usam técnicas de
contagem da população de insetos para saber se eles estão causando prejuízo
econômico à produção. Se estão, aí o controle químico é utilizado, mas apenas
em último caso.
Técnico da Embrapa
ensinando como fazer a contagem de lagartos dentro das técnicas do MIP — Foto:
Divulgação Embrapa
LISTA: quais são e
para que servem os ingredientes dos agrotóxicos mais vendidos
G1
mostra os princípios ativos campeões de venda no Brasil, nos Estados Unidos e
na União Europeia. Todos são voltados às grandes culturas, como soja, milho e
trigo.
O glifosato é o
agrotóxico mais vendido no mundo. É usado para matar ervas daninhas nas maiores culturas
agrícolas: soja, milho, trigo, algodão e café. São essas produções que
"puxam" as vendas dos principais pesticidas.
O G1 levantou os 10 princípios ativos mais utilizados no
Brasil, nos Estados Unidos e na União Europeia, 3 das principais regiões
produtoras de alimentos no planeta. A lista ficou com 24 substâncias porque 6
são comuns a duas ou mais regiões.
O princípio ativo é o ingrediente principal do agrotóxico: a partir dele são
feitos os produtos que chegarão para os agricultores.
Veja abaixo a lista* das substâncias
mais vendidas e como são usadas.
Lista dos
agrotóxicos mais vendidos no Brasil, na UE e nos EUA — Foto: Rodrigo Sanches/G1
Brasil usa
agrotóxicos banidos fora?
Entre os princípios
ativos mais vendidos no Brasil, 3 foram banidos da União Europeia (acefato,
atrazina e dicloreto de paraquate). Um deles, o paraquate, também será proibido
no Brasil a partir de 2020.
A UE foi questionada recentemente na Organização Mundial do Comércio
por ser considerada rígida demais na autorização de agrotóxicos. O
bloco europeu também baniu 3 princípios ativos que estão entre os campeões de
venda nos EUA (acetocloro, atrazina e bifentrina); outro (sulfentrazona) não
tem registro por lá.
Já os EUA autorizam o uso de todos os
princípios ativos que aparecem no ranking brasileiro. E não têm registro apenas
de 1 produto que é aceito na UE (tebuconazol).
Por sua vez, o Brasil também autoriza
todos os princípios ativos mais vendidos dos EUA e não tem registro para 2 que
são muito usados na União Europeia (flufenaceto e mesosulfuron).
Conheça cada campeão
de venda
Para entender o uso
agrícola desses agrotóxicos, o G1 consultou a bula de produtos feitos a partir deles e ouviu
os pesquisadores da Embrapa Dionísio Gazziero (especialista em
plantas daninhas), Claudia Godoy (especialista em doenças na agricultura) e
Samuel Roggia (especialista em insetos).
Veja como cada um funciona, onde atua e
como se posiciona nas regiões enfocadas na reportagem.
Glifosato
(o mais vendido no Brasil, na UE e nos EUA)
O glifosato é o agrotóxico mais vendido no Brasil, União Europeia e Estados Unidos. Serve
para matar as plantas silvestres que estão na área antes do plantio de uma
safra.
A predominância desse pesticida,
segundo agrônomos, se deve à sua eficácia, maior que qualquer outro produto de
sua categoria (herbicida). O glifosato pode controlar mais de 150 espécies de
plantas daninhas, em diversas culturas.
Não é comum ele ser usado durante o
ciclo de produção porque pode afetar o cultivo principal. Mas uma exceção é na
soja, maior cultura agrícola do Brasil. Isso porque as plantas transgênicas
possuem resistência, então é possível utilizar o agrotóxico durante todo o
ciclo.
Por outro lado, as ervas daninhas também
aumentaram a resistência ao pesticida, o faz com que o glifosato esteja sendo
misturado a outros, para funcionar melhor.
O Brasil autoriza seu uso no plantio de
algodão, ameixa, arroz, banana, cacau, café, cana-de-açúcar, citros, coco,
feijão, fumo, maçã, mamão, milho, nectarina, pastagem, pera, pêssego,
seringueira, soja, trigo e uva.
Mas isso está sendo reavaliado. Estudos no
exterior fazem relação dele com câncer. Na UE, a Áustria e Alemanha, decidiram bani-lo.
2,4-D (2º mais vendido no
Brasil)
O 2,4-D é um
herbicida que tem modo de ação diferente do glifosato. Ele controla apenas um
grupo de plantas daninhas.
É um dos mais vendidos porque, quando misturado ao glifosato, consegue aumentar
a eficiência em plantas que ganharam resistência ao produto mais vendido, como
a buva, espécie invasora comum nas culturas da soja e do feijão.
Ele tem autorização no Brasil para ser
utilizado nas culturas de arroz, aveia, café, cana-de-açúcar, centeio, cevada,
eucalipto, milheto, milho, pastagem, soja, sorgo (grão usado em ração para
gado) e trigo.
É liberado nos EUA e, na UE, ele tem
autorização restrita, apenas para trigo — principal atividade agrícola do bloco
— cevada, aveia, centeio e triticale (planta que surgiu da mistura de trigo com
centeio e que serve para pastagens).
Mancozebe (3º mais vendido no
Brasil)
O mancozebe é um fungicida mais antigo, da década de 1940,
que voltou a ser muito utilizado para controlar uma das principais doenças da
soja: a ferrugem asiática, que prejudica a formação da planta e dos grãos e já
causou prejuízos bilionários à atividade.
Ele é misturado com produtos mais
modernos para garantir a efetividade de produtos mais novos que
foram perdendo a eficácia contra a doença. Porém, a dose usada precisa ser
maior do que a dos agrotóxicos mais modernos.
No Brasil, pode ser usado para abacate, abóbora, algodão,
alface, alho, amendoim, arroz, banana, batata, berinjela, beterraba, brócolis,
café, cana-de-açúcar, cebola, cenoura, cevada, citros, couve, couve-flor,
cravo, crisântemo, dália, ervilha, eucalipto, feijão, feijão-vagem, figo, fumo,
gladíolo, hortênsia, maçã, mamão, manga, maracujá, melancia, melão, milho,
orquídeas, pepino, pera, pêssego, pimentão, repolho, rosa, seringueira, soja,
tomate, trigo, uva e vagem.
Ele possui registro na União Europeia e
nos EUA, onde já foi um dos mais vendidos.
Acefato (4º mais vendido no
Brasil)
É um inseticida que
tem um poder de ação grande (generalista) e pode matar muitas espécies.
Agrônomos o apontam como um "coringa" para melhorar a eficiência de outros produtos.
É muito usado no Brasil para controlar
o percevejo, um inseto sugador que diminui muito a produtividade nas culturas
de grãos, em especial a soja, e o bicudo do algodoeiro, uma das principais
pragas do algodão.
O acefato é autorizado nos EUA, mas faz
parte de um grupo de inseticidas (organosfosforados) que foi banido na União Europeia. Isso porque
estudos relacionaram o produto à perda de fertilidade masculina. Além disso, a
UE argumentou que seu resíduo pode causar morte de aves e espécies marinhas,
como anfíbios e peixes.
No Brasil, pode ser aplicado na
produção de algodão, amendoim, batata, citros, feijão, melão, milho, soja e
tomate (somente fins industriais). Porém, desde 2013, a aplicação do produto ficou mais
restrita: só pode ser feita por máquinas e não pode ocorrer em ambientes
fechados, como estufas.
Atrazina
(5º mais vendido no Brasil e 6º nos EUA)
É um herbicida muito
comum na produção de milho e, assim como o 2,4-D, atua para controle de um
grupo de ervas daninhas. É um agrotóxico mais barato e, com a perda de eficiência do
glifosato, acabou sendo mais procurado.
No Brasil, possui autorização para ser
aplicado nas plantações de abacaxi, cana-de-açúcar, milho, milheto, pinus,
seringueira, sisal e sorgo (grão usado em ração para gado).
O produto também é registrado nos EUA,
que são os principais produtores de milho do mundo.
Ele foi banido na UE porque estudos
do bloco não conseguiram comprovar que o ingrediente ativo não contamina os
lençóis freáticos. Outras pesquisas associaram o agrotóxico a impactos no
sistema reprodutivo em população de sapos.
Dicloreto de paraquate (6º mais
vendido no Brasil)
O paraquate, como é
mais conhecido pelos agricultores, é da mesma classe que o glifosato. Comum na
produção de soja, é usado para secar as plantas e vagens do grão, a fim de
deixar a lavoura uniforme para a colheita (a chamada dessecação).
No Brasil ele também tem autorização
para as culturas de algodão, arroz, banana, batata, café, cana-de-açúcar,
citros, feijão, maçã, milho e trigo.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
decidiu pelo banimento do produto em 2017 e o agrotóxico deverá sair do mercado
brasileiro daqui a 1 ano. A reavaliação técnica do produto entendeu que ele oferece
riscos de mutação genética e mal de Parkinson para quem manipula o pesticida.
Na UE, o produto foi banido em 2003.
Nos EUA, ainda é autorizado, mas está em reavaliação.
Imidacloprido (7º mais vendido
no Brasil)
O imidacloprido é um
inseticida mais recente que o acefato. Faz parte de um grupo químico chamado
neonectinóides (de derivados da nicotina), que está associado à morte e ao
desaparecimento de abelhas.
Por isso, na UE, ele só pode ser
aplicado em ambientes fechados (estufas) e em tratamento de sementes. No Brasil
e nos EUA, não há restrições.
Ele controla pragas importantes da cultura
da soja, como mosca branca e percevejo, mas produtores de uma grande
diversidade de culturas podem usá-lo para controlar formigas e outras moscas,
por exemplo.
No Brasil, pode ser aplicado por
produtores de abacaxi, abóbora, abobrinha, alface, algodão, alho, almeirão,
amendoim, arroz, aveia, banana, batata, berinjela, brócolis, café,
cana-de-açúcar, cebola, cenoura, cevada, citros, chicória, couve, couve-flor,
crisântemo, eucalipto, feijão, fumo, gérbera, girassol, goiaba, jiló, mamão,
mamona, manga, maracujá, melancia, melão, milho, palma forrageira, pastagens,
pepino, pêssego, pimentão, pinus, poinsétia (bico de papagaio), repolho, soja,
sorgo, tomate, trigo e uva.
Compostos
à base de cobre (8º no Brasil e 7º na UE)
São considerados os primeiros fungicidas, datados de 1807.
Especialmente o oxicloreto e o sulfato, são muito utilizados na cultura
orgânica, para combater ataque de doenças em frutas e hortaliças.
Ele é permitido para a produção
orgânica porque a dose necessária é muito pequena e, da forma que é utilizado
nessa atividade, evapora rápido e não deixa resíduos. Outro motivo é que ainda
não existe produto biológico capaz de exercer a função dele.
Nas grandes culturas, ele faz parte do
rodízio de agrotóxicos aplicados para controlar a ferrugem asiática, na soja, e
outras ferrugens, como no café, no trigo e no feijão.
No Brasil, pode ser utilizado na
produção de abacate, abóbora, abobrinha, agrião, aipo, alface, algodão, alho,
alho-poró, almeirão, ameixa, amendoim, amora, banana, batata, berinjela,
beterraba, brócolis, cacau, café, caju, cana-de-açúcar, caqui, cebola,
cebolinha, cenoura, chá, chicória, citros, coco, couve, couve-flor, crisântemo,
cravo, dália, ervilha, espinafre, feijão, feijão-vagem, figo, fumo, goiaba,
jiló, maçã, mamão, manga, maracujá, marmelo, melancia, melão, morango, nabo,
nectarina, néspera, noz pecan, orquídeas, pepino, pera, pêssego, pimenta,
pimenta-do-reino, pimentão, quiabo, repolho, rosa, salsa, seringueira, soja,
tomate, trigo e uva.
Além de Brasil e UE, ele também é
autorizado nos EUA.
Enxofre
(11º mais vendido no Brasil*)
É um princípio ativo
com várias formas de aplicação. Pode ser usado para controlar doenças
(fungicida), para matar insetos e também como fertilizante.
No Brasil, ele pode ser aplicado nas
culturas de abacate, abóbora, abobrinha, algodão, alho, ameixa, amendoim,
batata, berinjela, café, caju, cebola, citros, coco, couve, couve-flor, chuchu,
ervilha, eucalipto, feijão, feijão-caupi, feijão-vagem, figo, goiaba, maçã,
mamão, mamona, manga, marmelo, maxixe, melancia, melão, milho, morango, nabo,
pepino, pera, pêssego, pimenta, pimentão, pinhão manso, quiabo, repolho, rosa,
soja, tomate, trigo e uva.
Também é autorizado nos EUA. Na UE,
apenas para trigo e uvas.
Diurom (12º no Brasil*)
É um herbicida comum para culturas perenes (aquelas em
que as plantas permanecem na lavoura após a colheita), como café e laranja.
Também é utilizado por produtores de
algodão e soja como produto para ser revezado com o glifosato, a fim de ter mais
eficiência no controle de plantas daninhas como o capim-amargoso, uma das
principais plantas invasoras da cultura de grãos.
No Brasil, os produtores podem aplicar
nas culturas do abacaxi, alfafa, algodão, banana, cacau, café, cana-de-açúcar,
citros, eucalipto, milho, seringueira, soja, trigo e uva.
Ele também possui registro na UE e nos
EUA.
S-Metolacloro
(2º mais vendido nos EUA)
É um herbicida que
também atua
em rodízio com o glifosato. Ele controla plantas daninhas que ganharam resistência ao
agrotóxico mais vendido do mundo, como o capim-amargoso na soja.
Ele também é registrado na UE. Dentro
da produção americana, pode ser usado em culturas importantes como algodão,
soja e milho.
No Brasil, é autorizado para lavouras
de algodão, cana-de-açúcar, canola, eucalipto, feijão, girassol, mandioca,
milho, soja e uva.
Piraclostrobina (3º mais
vendido nos EUA)
É um fungicida que é
muito utilizado na cultura de grãos, como soja, milho, café e trigo, como
cana-de-açúcar e algodão. Ele é usado no rodízio de produtos para controle
de doenças nas lavouras.
Considerando culturas importante dos
EUA, ele combate a antracnose (infecção das vagens). Ajuda no controle da
ferrugem do milho e da ramularia no algodão, uma doença que reduz a
fotossíntese.
No Brasil possui autorização para 103
culturas. É também autorizado na UE.
Mesotriona (4º mais vendido nos
EUA e 9º na UE)
É um herbicida que é mais utilizado na produção de
milho, o que explica estar entre os produtos mais vendidos nos EUA, o
maior produtor mundial.
Ele não controla a mesma quantidade de
plantas daninhas que o glifosato, podendo ser utilizado dentro de um rodízio
com outros herbicidas da lista.
No Brasil, ele tem autorização para ser utilizado nas lavouras
de cana-de-açúcar, milheto e milho. Na UE, apenas no milho.
Acetocloro (5º mais vendido nos
EUA)
É um herbicida com
atuação parecida com a do S-Metolacloro. Atua nas plantas mais baixas, como capins. Na
produção americana, é autorizado nas principais culturas: milho e soja. No
Brasil, pode ser usado por produtores de café, cana-de-açúcar, milho e soja.
Na UE, produto foi banido em 2012 sob a alegação
de que podia contaminar o lençol freático e gerar "desregulação endócrina
em anfíbios" e problemas para outros organismos aquáticos.
Azoxistrobina (7º mais vendido
nos EUA e 10º na UE)
É um fungicida que
tem como principal característica o controle da ferrugem em diversas culturas.
É muito comercializado nos EUA e na UE
porque atua nas principais culturas desses lugares: milho, trigo e soja. E,
como outros fungicidas, é misturado com outros produtos da mesma
categoria, para melhorar sua eficiência.
No Brasil, ele é autorizado para 59
culturas, como arroz, feijão, frutas, hortaliças, café, cana-de-açúcar, milho,
trigo e soja.
Dicamba (8º mais vendido nos
EUA)
É um herbicida que está tentando substituir o
glifosato na produção da soja transgênica nos Estados Unidos.
Assim como ocorre com as primeiras
gerações da soja geneticamente modificada com o glifosato, a nova geração é
resistente ao dicamba. O produto consegue controlar plantas que o glifosato não consegue mais, como a buva e a
amaranthus-palmeri.
Na UE, ele tem autorização para pastagens e milho. No Brasil, é
autorizado para algodão e soja. Porém, o uso desse agrotóxico preocupa produtores brasileiros por
ser um produto que dispersa facilmente no ar, podendo atingir e matar lavouras
vizinhas.
Bifentrina (9º mais vendido nos
EUA)
É um inseticida
usado em duas culturas importantes dos EUA. Ele mata pragas como o bicudo do
algodoeiro e também a lagarta da soja, que gera muitos prejuízos.
No Brasil, possui autorização para uso
em 40 culturas, como hortaliças, frutas, café, cana-de-açúcar, arroz, feijão,
trigo e soja.
Na UE, perdeu o registro e está em fase
de substituição por causar risco de morte aos artrópodes, como aranhas,
crustáceos e insetos que não são alvo da aplicação do agrotóxico.
Sulfentrazona (10º mais vendido
nos EUA)
É um herbicida muito comum na cultura da soja, onde os EUA
lideram. É um produto que tem mais eficiência que o glifosato com algumas
espécies de ervas invasoras, como as amaranthus.
No Brasil, os produtos formulados a
partir da sulfentrazona podem ser utilizados em lavouras de abacaxi, café,
cana-de-açúcar, citros, eucalipto, fumo e soja.
A fabricante desenvolvedora do
princípio ativo nunca pediu registro do produto na UE.
Protioconazol (2º mais vendido
na UE)
É um fungicida muito utilizado na produção de trigo, a maior da UE,
para controlar o oídio, considerado por especialistas a principal doença da
atividade. Ele reduz o vigor das plantas, afeta a fotossíntese e pode diminuir
a produtividade em até 40%.
No Brasil, o protioconazol possui
registro para ser usado nas produções de algodão, cevada, feijão, girassol,
milho, soja e trigo. Ele também é autorizado nos EUA.
Fluxapiroxade (3º mais vendido
na UE)
É um fungicida voltado à produção de aveia,
centeio e trigo, o que explica as primeiras posições nas vendas da União
Europeia. Ele ajuda no controle da ferrugem do trigo, outra doença importante
da cultura.
Possui registro nos EUA e, no Brasil, é
autorizado para ser utilizado por produtores de 87 culturas, como açaí,
guaraná, café, cevada, coco, pimenta, manga, maracujá, milho e soja.
Tebuconazol (4º mais vendido na
UE)
É um fungicida muito utilizado na produção de
cereais, como o trigo, controlando doenças como a ferrugem e a
mancha-amarela. Além dessas atividades, a União Europeia autoriza o uso de
produtos formulados a partir do Tebuconazol para a produção de uvas.
No Brasil, o princípio ativo tem
autorização para 74 culturas, como arroz, feijão, alface, pepino, pimentão,
cevada, maçã, trigo e uva. Ele não possui registro nos EUA.
Epoxiconazol
(5º mais vendido na UE)
O epoxiconazol é um
fungicida utilizado no controle de doenças em diversas culturas, como banana, café
e cevada, além do trigo, carro chefe na União Europeia.
Ele controla pragas como a ferrugem,
mancha-amarela e brusone, grave doença da atividade, que causa problemas na
formação dos grãos e diminui a produtividade.
No Brasil, possui registro para a
produção de algodão, amendoim, arroz, aveia, banana, cacau, café,
cana-de-açúcar, cevada, feijão, girassol, mandioca, milho, soja, sorgo (usado
na ração do gado), além do trigo. Também é registrado nos EUA.
Flufenaceto (6º mais vendido na
UE)
É um herbicida que
pode ser utilizado no trigo e outros cereais de inverno, o que ajuda a explicar
a sua presença no ranking de vendas da UE, que também autorizou o uso na
produção de milho, soja e girassol.
Pode atuar em conjunto com outros
herbicidas, como glifosato, para controlar plantas daninhas em que o produto
mais vendido do planeta já perdeu a eficiência.
O flufenaceto também possui autorização
nos EUA, mas não
está registrado no Brasil.
Mesosulfuron (8º mais vendido
na UE)
É um herbicida que
também tem forte eficiência na produção de trigo. Ele pode ser utilizado em
conjunto com o glifosato ou outros herbicidas, para garantir o controle de
plantas daninhas. Na UE, ele é autorizado para trigo e centeio.
Ele também é autorizado nos EUA, mas não está registrado no Brasil.
(*) Dos 10 defensivos mais vendidos no Brasil, dois foram
desconsiderados do levantamento: os óleos mineral e vegetal, que estão em 5º e
7º na lista, respectivamente, porque são usados para melhorar a aderência do
agrotóxico (o chamado adjuvante) e não propriamente como pesticida. No lugar
deles entraram o enxofre (11º) e o diurom (12º).
Quem criou o termo
'agrotóxico' e por que não 'pesticida' ou 'defensivo agrícola'
Nome,
que causa desconforto entre produtores rurais, foi criado pelo pesquisador
brasileiro Adilson Paschoal em 1977 e é adotado pelo governo federal.
Lei pretende mudar nome
"agrotóxicos" para "pesticidas" — Foto: Nathalia
Ceccon/Idaf-ES
O
produto utilizado para controle de pragas e doenças nas lavouras é conhecido
mundialmente como pesticida (pesticides, em inglês). O Brasil é o único que
adotou uma nomenclatura própria para o produto: agrotóxico.
O termo surgiu em 1977 e foi criado pelo pesquisador e PhD em
agronomia Adilson Paschoal, autor do livro que deu origem ao termo:
"Pragas, agrotóxicos e a crise ambiente: Problemas e soluções".
Em entrevista ao G1, ele explicou de
onde surgiu a origem do nome, que foi adotado pelo governo federal na Lei dos
Agrotóxicos, publicada de 1989. Além disso, o departamento do Ministério da
Agricultura responsável pelo registro desses produtos se chama
"Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins".
O nome é considerado negativo pelo setor produtivo, que tenta,
por meio do projeto de lei 6299/2002, chamado por ambientalistas de
"pacote do veneno", mudar o nome oficial de "agrotóxico" para
"pesticida".
Para o ex-ministro da Agricultura
Roberto Rodrigues, que é também engenheiro agrônomo, a nomenclatura atual não
faz sentido.
"É a mesma coisa que chamar o
nosso remédio de 'humanotóxico'. A toxicidade é um fator do produto, se ele for
usado de maneira incorreta ou em excesso. Eu entendo que o produto é um
'agroquímico' que pode ser tóxico", explica Rodrigues.
Mas, segundo Paschoal, o nome oficial
"cumpre todo o rigor exigido pela ciência e a exatidão terminológica
requerida pelo nosso idioma".
G1: Como foi a elaboração do
termo 'agrotóxico'? O que o senhor levou em conta na hora de utilizar essa
nomenclatura ao se referir a esses produtos?
Adilson Paschoal: "Agrotóxico tem origem do
grego: agros (campo) + tokicon (veneno). O vocábulo tem sentido geral,
incluindo todos os produtos de natureza tóxica usados na agricultura (mais
propriamente nos sistemas agrícolas ou agroecossistemas), para o manejo de
pragas, patógenos e ervas invasoras.
O vocábulo não é apenas
etimologicamente correto como também o é cientificamente, sendo a ciência que
estuda os efeitos desses produtos chamada toxicologia. Trata-se, pois, de um
vocábulo com todo o rigor exigido pela ciência e a exatidão terminológica
exigida pelo nosso idioma".
Outros
nomes que são mais utilizados pelos produtores rurais são os termos
"defensivo agrícola", "pesticida", "praguicida",
"agroquímico", "produto fitossanitário" e
"biocida". Para o pesquisador, nenhuma dessas nomenclaturas explicam
de forma satisfatória a função desses produtos.
Adilson
Paschoal: "Pesticida (do latim
pestis, a doença, + cida, o que mata) é expressão usada em países de língua
francesa e inglesa (pesticides), estrangeirismos que não são aceitos pela norma
culta da língua portuguesa. Significando 'o que mata a peste', e 'peste' é
doença, o vocábulo não pode ser usado com sentido geral, englobando pragas,
patógenos e plantas invasoras.
Mesmo para doença o termo é
inadequado uma vez que não é a doença que se mata, mas, sim, os seus agentes
causadores, isto é, os patógenos.
Praguicida (do latim
plaga, a praga, + cida, o que mata) não é, pela mesma razão, possível o seu uso
em caráter geral. Implícito na definição está o fato de existirem pragas e não
pragas e que o praguicida mata apenas pragas, o que hoje sabemos não ser
verdade, pois esses produtos matam mais o que não é praga (inimigos naturais,
espécies inócuas) do que pragas, organismos esses desprovidos de resistência
como mecanismo pré-adaptativo.
Defensivo
agrícola (do latim defensa, defesa, + ivus) é o termo mais incorreto,
ambíguo, utópico, vago e tendencioso de todos. Etimologicamente significa
'próprio para a defesa', mas não indica defesa de que ou de quem; se defensivo
agrícola, então a defesa é da agricultura, não especificando tratar-se de
substância tóxica para o controle de espécies daninhas.
Deduz-se disso ser qualquer técnica
usada na defesa da agricultura um defensivo agrícola. Nesse sentido, métodos de
controle de erosão são defensivos agrícolas, pois defendem a agricultura dos
processos erosivos do solo. Este exemplo basta para se concluir que não existe
lógica nenhuma para se caracterizar exclusivamente os produtos químicos
agrícolas como sendo defensivos, mesmo porque, hoje se sabe muito bem, serem
eles agentes de desequilíbrios biológicos, gerando mais pragas e doenças do que
realmente controlando-as.
Quando pensamos em termos da
natureza, tais produtos não podem ser encarados como instrumentos de defesa,
mas de ataque maciço contra todo tipo de vida, e de destruição e perturbação do
equilíbrio da natureza.
Produto
fitossanitário. É outro termo aventando por aqueles que desconhecem ciência e a língua
pátria. Se o argumento é o de se adotar terminologia, mesmo que errada, usada
em outros países (pesticida, por exemplo), este só seria usado aqui.
Além disso, a expressão não pode ser
empregada em sentido geral, limitando-as às plantas (fito = planta), excluindo
pragas e vetores de doenças animais, também controlados por agrotóxicos,
passiveis de registro e de controle pelos órgãos fiscalizadores. Igualmente
estariam fora as ervas invasoras, pois o vocábulo “sanitário” significa “que se
refere a ou é próprio da saúde ou da higiene”.
Seria, por acaso, a saúde da erva daninha que se almeja?"
G1: É possível considerar
"agroquímico" um sinônimo para agrotóxico? Se não, o senhor poderia
me dar uma explicação?
Adilson Paschoal: "Agroquímicos é outra
maneira tendenciosa de ocultar a natureza tóxica dos produtos usados na
agricultura. O termo, amplo por natureza, permite incluir além dos agrotóxicos
também os adubos minerais, de natureza química como aqueles. Sob essa
denominação, os inseticidas microbianos, cujo emprego ganha força em todo o
mundo, estariam obviamente fora.
Biocida (do latim
bios, vida + cida, o que mata) é termo mais realista, com sentido mais amplo,
incorrendo em pleonasmo: matar o que é vivo. Seria possível matar o que é
morto?"
Como reduzir a
chance de ingerir agrotóxicos nos alimentos, segundo especialistas
Técnicas
caseiras podem diminuir resquícios, mas é impossível retirar tudo. Isso porque
existem resíduos que podem estar dentro do organismo das frutas e hortaliças.
Resíduos de
agrotóxicos podem estar presentes na casca e na polpa de frutas e verduras, mas
existem limites toleráveis dos resquícios desses produtos — Foto: Ja Ma/Unsplash
Se
você quer tirar o agrotóxico dos alimentos que compra, saiba que não existe um
método 100% eficaz, segundo todos os especialistas ouvidos pelo G1.
Isso porque existem resíduos que podem estar na casca de frutas
e legumes, que são mais fáceis de serem retirados, e também existem resquícios
de medicamentos e agrotóxicos que podem estar dentro do organismo de frutas,
hortaliças e animais abatidos, que não são possíveis de serem eliminados.
"É possível eliminar de 80 a 90%
do que está na superfície do alimento. O que entrou, está lá na polpa, não tem
como retirar", explica o clínico geral e nutrólogo Roberto Navarro.
O professor de toxicologia da Universidade de São Paulo (USP)
Ernani Pinto explica que isso não significa correr riscos de intoxicação. O
motivo é que existem legislações que impõem limites que seriam toleráveis para
consumo dos resíduos desses produtos químicos (leia mais abaixo).
Mas, se nenhuma técnica é 100%
eficiente para eliminar esses resquícios, pelo menos é possível diminuir a
chance de ingeri-los. Veja técnicas básicas do dia a dia que podem ajudar.
Frutas, verduras e
hortaliças
Uma técnica muito
comum e que já é feita nas residências pode ajudar a diminuir a ingestão de
resíduos: deixar o produto de molho em água misturada com vinagre, ou
bicarbonato de sódio ou água sanitária.
Segundo o professor Ernani Pinto, essas
três misturas garantem uma preservação maior do alimento, destroem bactérias e
podem retirar restos de produtos químicos também.
Para fazer a mistura:
·
1 litro de água filtrada;
·
1 colher de sopa de bicarbonato
de sódio ou 1
colher de café de hipoclorito (água sanitária) ou 2 colheres de vinagre;
Depois:
·
Deixar frutas, hortaliças e
legumes de molho por pelo menos 15 minutos;
·
Lavar em água corrente e
armazenar.
Para frutas e
legumes com casca recomenda-se lavar o alimento com uma esponja nova com
detergente.
De olho na origem
A Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda que você opte por alimentos que
tenham a identificação do produtor no rótulo.
Por meio de um QR Code (código que pode
ser lido pela câmera do celular, por exemplo), essas embalagens permitem saber
a origem do alimento e, inclusive, questionar quais pesticidas foram usados.
A identificação faz parte de uma
legislação de rastreabilidade do Ministério da Agricultura, implementada em 2018 e
que todos os produtores de frutas e hortaliças deverão seguir até agosto de
2021.
Limão com a identificação implementada pelo Ministério
da Agricultura — Foto: Rikardy Tooge/G1
Prefira alimentos da
época
Outra orientação é,
sempre que possível, adquirir alimentos de agricultores orgânicos (que não usam
produtos químicos), assim como os chamados alimentos "da época"
(safra), que costumam receber, em média, carga menor de pesticidas.
Na última avaliação de resíduos de
agrotóxicos da Anvisa, de 2016 (veja abaixo), a laranja foi o produto com mais resquícios, que podem estar
tanto dentro da fruta como na casca.
O professor de agronomia da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Jacinto Batista explica que produtores
de frutas e hortaliças utilizam tanto agrotóxicos de contato (que ficam na
casca) quanto os que entram na fruta (defensivos sistêmicos), na produção
convencional.
Na análise da Anvisa, nos casos da
laranja, do abacaxi e da maçã, a maior parte dos resíduos estava na superfície.
*Arroz, milho (fubá),
trigo (farinha), banana, abobrinha, pimentão, tomate, batata, beterraba,
cebola, cenoura, mandioca (farinha) — Foto: Roberta Jaworsk e Diana Yukari/G1
Dá para saber pela
aparência?
O toxicologista da
USP Ernani Pinto diz que, visualmente, não dá para detectar a presença de
agrotóxicos em frutas e hortaliças. Segundo ele, nenhuma característica da
casca pode garantir se aquele produto está com resíduos de pesticidas ou não.
Portanto, não é possível determinar um
fruto que tenha resíduos apenas na casca ou apenas na polpa.
Também não dá para detectar resíduos de
agrotóxicos pelo paladar ou pelo cheiro dos alimentos.
E os medicamentos
nas carnes?
No caso das carnes
bovina, suína, de porco e de peixe, e do leite, o único método para garantir
uma ingestão menor de resíduos de medicamentos veterinários, se eles estiverem
presentes, é por
meio do cozimento.
Ernani Pinto, da USP, explica que
medicamentos mais sensíveis, como o grupo de antibióticos das amoxicilinas, são
sensíveis ao calor, podendo ser eliminados em altas temperaturas. Além de
retirar resíduos, o fogo mata bactérias e evita a salmonela.
Caso você queira comer um desses
produtos cru, como peixes e carne bovina, a recomendação é checar muito bem a
procedência.
Na última avaliação de resíduos de
medicamentos veterinários nas carnes, feita pelo Ministério da Agricultura em
2018, das 12.495 amostras analisadas, 55 não estavam dentro do padrão da
legislação, o que equivale a 0,44%.
Dessas carnes, a de peixe chamou atenção, já que 16 de 59 amostras apresentaram
limites acima dos permitidos.
Como funciona o
limite de resíduos?
O Brasil possui
legislação específica, fiscalizada pelo Ministério da Agricultura e pela
Anvisa, sobre o limite máximo de resíduos de agrotóxicos e medicamentos
veterinários que cada produto deve ter.
Segundo Ernani Pinto, os índices são
baseados em estudos científicos que não encontraram efeitos à saúde consumir as
carnes, frutas e hortaliças tratadas com pesticidas e medicamentos, se os
alimentos respeitarem os parâmetros estabelecidos pela lei.
Por isso que os limites de resíduos se
tornaram fundamentais para garantir a segurança alimentar da população.
Ambientalistas afirmam, porém, que o
Brasil é mais permissivo em comparação a outros países, pois os estudos se
baseariam na falta de evidências de problemas à saúde e não à comprovação de
que não faz mal.
Já a indústria de agroquímicos e as
agências reguladoras em todo o mundo garantem que, desde que consumidos em limites
baixos e aplicados nas plantações conforme manda a lei, os agrotóxicos são
seguros para a saúde humana.
Outro ponto importante é que os
produtores rurais precisam seguir um período de carência após a aplicação do
produto químico antes de colher o alimento ou levar o animal para o abate. Essa
informação consta na bula do produto que o agropecuarista usou.
As indústrias compradoras e o ministério devem analisar se esse
período foi respeitado antes de vender ao consumidor.
Como os agrotóxicos
impactam os principais produtos na mesa dos brasileiros
Resíduos
chegam à cozinha nos alimentos e na água. Especialistas apresentam argumentos
contra e a favor dos agrotóxicos e ensinam como minimizar os danos.
Pesquisas e decisões
judiciais recentes associaram agrotóxicos a doenças como o câncer. — Foto:
Pixabay
Pelos alimentos ou pela água, é quase inevitável que resíduos de
agrotóxicos da produção agrícola cheguem à mesa do brasileiro. E o debate sobre
os níveis aceitáveis de consumo desses produtos permanece aberto em todo o
mundo.
Laranja, abacaxi,
couve, uva e alface são os alimentos in natura com maiores índices de resíduos
com potencial "risco agudo" para o consumidor, segundo a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Responsável por esse
tipo de análise no Brasil, a Anvisa fez seu último levantamento em 2016 e se
concentrou nos alimentos menos processados.
Estudiosos como
Larissa Mies Bombardi, pesquisadora do Laboratório de Geografia Agrária da
Universidade de São Paulo (USP), notam que os limites máximos de resíduos
tolerados (LMR) no Brasil são bem mais altos do que na União Europeia. Conforme
estudo de 2017, para o uso do glifosato na soja, por exemplo, o Brasil aceita
uma quantidade de resíduos 200 vezes maior.
É possível minimizar
os riscos causados por alguns agrotóxicos à saúde humana lavando bem os
alimentos em casa. Mas alguns produtos químicos entram nas células das plantas.
Por isso, os agrotóxicos continuam sob constante escrutínio. Pesquisas e
decisões judiciais recentes os associam a doenças como o câncer.
Por outro lado, a
indústria de agroquímicos e agências reguladoras em todo o mundo garantem que,
desde que consumidos em limites baixos e aplicados nas plantações conforme
manda a lei, os agrotóxicos são seguros para a saúde humana.
Veja abaixo o que
dizem especialistas consultados pelo G1:
Alimentos com
agrotóxicos são seguros?
Diretora-executiva
da Pesticide Action Network (PAN), um grupo que promove a agricultura orgânica
nos Estados Unidos, Kristin Schafer afirma que é muito difícil avaliar se há
níveis seguros para o consumo de agrotóxicos. "Mesmo níveis muito baixos
podem ter impacto na nossa saúde. Isso varia muito para cada produto
químico", diz.
“Também
pesa o tempo de exposição ao resíduo e o momento da vida em que isso ocorre.
Uma mulher grávida ou uma criança, por exemplo, podem ser mais sensíveis. Não
depende só da quantidade", afirma Kristin Schafer, da PAN.
Entre os diferentes
fatores a se levar em conta, estão os níveis de toxicidade de cada agroquímico
e as proporções em que são aplicados. De imediato, alguns podem ser mais
nocivos. Por esse motivo, ela defende que a agricultura não seja tão dependente
dos agrotóxicos e adote técnicas de produção mais limpas e naturais.
Já o toxicologista Flavio Zambrone,
responsável pelo Grupo de Informação e Pesquisas sobre Glifosato (Gipeg), uma
organização que defende a segurança desses produtos, afirma que "o
alimento que chega na mesa dos consumidores é seguro e adequado para o consumo".
Segundo ele, o que garante isso são as
análises realizadas por agências reguladoras de cada país e institutos de
pesquisa privados – alguns desses ligados à indústria dos agrotóxicos.
O que diz a Anvisa?
Da parte das
autoridades públicas no Brasil, a Anvisa afirma que os níveis aceitos no país
são seguros, mas esporadicamente reavalia alguns produtos. A última análise da
Anvisa sobre produtos in natura, o Programa de Análise de Resíduos de
Agrotóxicos em Alimentos (PARA), foi em 2016.
O objetivo do estudo é “avaliar os
níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal que chegam à
mesa do consumidor e, assim, promover ações com vistas à redução de riscos
decorrentes da exposição aos resíduos de agrotóxicos pela dieta”, informa a agência
em nota enviada ao G1.
O último monitoramento incluiu os 25
alimentos que representam cerca de 70% dos produtos de origem vegetal
consumidos pelos brasileiros. O PARA se concentra exclusivamente nos alimentos
menos processados.
“No
caso dos alimentos processados, a tendência é que estes contaminantes se percam
ao longo da cadeia produtiva”, justifica a Anvisa.
Segundo a agência, 80,3% das amostras
analisadas foram consideradas satisfatórias, sendo que 42% das amostras não
tinham nenhum resíduo de agrotóxico e 38,3% tinham resíduos dentro dos limites
considerados seguros pela Anvisa.
Monitoramento inclui 25 alimentos que representam
cerca de 70% dos produtos de origem vegetal consumidos pelos brasileiros —
Foto: Roberta Jaworski/G1
Além disso, a agência reavalia esporadicamente os agrotóxicos
mais usados na produção agrícola – recentemente, tanto o glifosato quanto o
2,4-D passaram por reavaliação. As consultas públicas para o glifosato estão
abertas até 6 de junho. Já o 2,4-D foi mantido no mercado brasileiro, mas com
restrições na sua forma de aplicação.
Os limites são
aceitáveis?
Esse mesmo dado da
Anvisa pode ser interpretado de outra forma: praticamente um terço dos
alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros tem resíduos de
agrotóxicos – ainda que baixos e dentro do que é considerado regular.
De qualquer forma, a Anvisa afirma que
só cerca de 1% das amostras apresenta "risco agudo" à saúde.
*Arroz, milho (fubá), trigo (farinha), banana,
abobrinha, pimentão, tomate, batata, beterraba, cebola, cenoura, mandioca
(farinha) — Foto: Roberta Jaworsk e Diana Yukari/G1
Na visão de Marina Lacôrte, porta-voz
do Greenpeace, por mais que as agências reguladoras falem em níveis seguros, os
padrões estipulados são "questionáveis", pois se baseiam na falta de
evidências de que os agrotóxicos fazem mal.
“No
Brasil, temos uma permissividade maior. Falta monitoramento e fiscalização. As
agências se baseiam na ausência de provas, mas isso não quer dizer que a
substância não vá causar mal", afirma a representante do Greenpeace.
Ela defende o chamado "princípio
da precaução", isto é, se não sabemos o mal que uma substância pode fazer
no longo prazo, não deveríamos usá-la. O estudo de Larissa Mies Bombardi, da
USP, com base em dados de 2017, mostra que os limites máximos de resíduos
tolerados no Brasil são em grande parte mais altos do que na União Europeia.
Outro problema é a presença de
agrotóxicos na água. Quando se trata do 2,4-D, segundo agrotóxico mais usado no
Brasil (fica atrás do glifosato), o limite de resíduos na água permitido no
Brasil é 300 vezes maior do que o aceito na União Europeia – mostra o estudo de
Bombardi.
A soja, o milho e o
algodão resistentes ao herbicida permitiram ao setor agrícola ampliar o uso do
glifosato nas lavouras para matar ervas daninhas — Foto: Pixabay
"A gente não tem ideia do que acontece com os alimentos
processados, que levam soja em sua composição", comenta a pesquisadora.
"Reduzir o uso de agrotóxicos é uma tarefa para o mundo, uma coisa que a
sociedade precisa discutir daqui pra frente."
Por outro lado, para Dionísio Gazziero,
da Embrapa Soja, o controle e a avaliação realizados pela Anvisa são bastante
confiáveis.
“Nossa
soja é exportada para o mundo todo, precisa estar dentro de parâmetros bastante
rígidos”, diz Gazziero.
O que o Brasil
precisa melhorar, segundo ele, é a “conscientização, a responsabilização e a
fiscalização” no uso de agrotóxicos.
O que fazer em casa
para minimizar os efeitos?
As organizações que
lutam pela redução no uso de agrotóxicos defendem um modelo de agricultura
menos "predatório". A homogeneidade dos campos, por exemplo, é um dos
principais pontos: grandes áreas com uma só cultura tendem a reduzir a biodiversidade
e atrair pragas, estimulando o produtor a usar agroquímicos.
Nesse contexto, segundo Kristin
Schafer, da PAN, a única alternativa do consumidor para estar seguro sobre a
ausência de agrotóxicos nos vegetais é comprar alimentos orgânicos. "Se
você puder encontrar um produtor local, os produtos não são necessariamente
mais caros", afirma Schafer. "O impacto na saúde pode sair mais caro
do que comprar produtos mais puros."
O toxicologista Zambrone, do Gipeg,
diz que a higienização dos alimentos ajuda a remover resíduos de agrotóxicos.
“Todos
os alimentos in natura devem ser bem lavados com água corrente. A retirada das
cascas das frutas também tem papel importante”, explica Zambrone. “Em geral, o
risco para os consumidores é baixo. Não se deve deixar de consumir frutas,
verduras e legumes por medo dos agrotóxicos.”
Em seus manuais, a própria Anvisa
recomenda uma boa higienização dos alimentos – pode-se até mesmo usar uma bucha
ou escova. A agência também indica o consumo de orgânicos, "assim como os
alimentos da época, que costumam receber, em média, carga menor de
agroquímicos".
Para Kristin Schafer, "lavar
nunca faz mal", mas é preciso saber que alguns produtos químicos entram no
organismo da planta quando são aplicados nas lavouras.
Larissa Mies Bombardi, da USP, também
avisa que há dois tipos de agrotóxicos nos
produtos frescos:
·
os de contato, que ficam na
parte externa do alimento;
·
e os sistêmicos, que circulam
nas células do alimento.
"O externo podemos reduzir um
pouco, lavando, mas os que entram no sistema não dá para reduzir", resume
a professora.
Descascar a laranja pode ajudar a diminuir o consumo
de agrotóxicos presentes na superfície. — Foto: Reprodução/EPTV
Intoxicação por
agrotóxicos pode levar à cegueira e até à morte; conheça histórias de vítimas
Não
são apenas os agricultores que estão suscetíveis à contaminação. Diagnóstico é
difícil e receber indenizações, também.
Quando não é fatal, a contaminação por agrotóxicos pode provocar
problemas graves como a cegueira e a perda dos movimentos. Conheça histórias de
três vítimas do problema, todas do Paraná, estado com o maior número de casos
relatados de intoxicação – e também o com o sistema mais eficiente de
notificações.
A intoxicação por
veneno é tema de um especial do Globo
Rural que começa a ser apresentado neste domingo (31) e
continua no próximo programa.
Nunca usou proteção
Valdir Furtado, 62 anos, lida com lavoura desde a infância. No
sítio de 24 hectares que tem no município de Juranda, no Paraná, começou
plantando algodão e depois soja e milho. Os agrotóxicos sempre fizeram parte da
rotina da propriedade. E ele reconhece que nunca usou equipamento de proteção.
Nos tempos do algodão, aplicava os
produtos com pulverizador costal. Eram venenos líquidos e em pó.
"Chegava
em casa branquinho. Branquinho de veneno (...) Eu sentia às vezes vômito, mas
não caçava um médico, né?"
Um dia, abriu a
tampa da plantadeira em movimento, para checar se as sementes estavam caindo
direito, e o veneno atingiu seus olhos. Ele perdeu 70% da visão no olho
esquerdo e 30% no direito.
Contaminada na
lavoura de fumo
Lídia Prado trabalha
com lavoura de fumo desde a infância. Junto com o marido, Antônio, tocava a
plantação em parceria com com uma grande empresa de tabaco. A família entrava
com a terra e a mão de obra e a empresa com sementes, assistência técnica e
insumos.
Certa vez, um dia antes da colheita,
Antônio foi orientado por um representante da empresa a aplicar veneno nas
folhas para combater pulgões.
O composto usado, organofosforado, mata
o sistema nervoso da praga. "Ela morre de fome lá onde ela senta",
conta Lídia. Quando foi usar o veneno, ela ainda questionou.
"Eu
falei: E para nós? O orientador disse: Para nós não faz nada, porque temos mais
sangue do que ela (a praga)."
Há 15 anos, Lídia
começou a apresentar sintomas de polineuropatia, uma doença neurológica
degenerativa, que afeta os sentidos. As pernas já não sustentam o corpo e, por
isso, ela usa cadeira de rodas. Agora, está perdendo os movimentos dos braços e
convive com fortes dores o tempo todo.
Os organofosforados acabaram proibidos
no Brasil, justamente por serem muito tóxicos. Mas, mesmo manipulando produtos
desse tipo, Lídia teve que entrar na Justiça para comprovar que a doença foi
causada pela exposição constante e prolongada a agrotóxicos.
A Justiça reconheceu, mas a empresa
para quem a agricultora produzia o fumo, não quer indenizá-la nem arcar com o
tratamento, porque ela não era formalmente uma funcionária.
Produtor de leite
morreu
Como sempre fazia, o
produtor de leite Júlio Quintino comprou, em 2016, casquinha de soja para
alimentar suas vacas. Passou o dia descarregando o produto e, à noite, teve
febre alta, vermelhidão pelo corpo, foi parar no hospital e faleceu.
O diagnóstico, conta o pai de Júlio,
José Quintino dos Santos, não foi fácil. Os médicos chegaram a suspeitar de
leptospirose e até de “fogo selvagem” (ou pênfigo).
“Eu
batia que não era (doença), porque o moleque estava bom, normal, foi só de
carregar aquilo ali. Eu falava que era o veneno, o dessecante”, diz.
O tal veneno,
paraquat, é um herbicida usado para dessecar a soja e facilitar a colheita. O
produto deixa resíduos na planta e, por isso, é preciso esperar 7 dias para
colher os grãos. A suspeita de José é de que, para acelerar o trabalho, alguns
produtores não esperam esse tempo.
A morte de três vacas alimentadas com a
casquinha de soja ajudou a comprovar que Júlio havia mesmo sido vítima do
veneno.
A secretaria de Saúde do Paraná
reconhece o caso. “Uma intoxicação aguda, gravíssima que levou a óbito”,
descreve Lilimar Mori, médica epidemiologista do estado. Agora, com o laudo em
mãos, José busca uma indenização para a filha de Júlio, Ana, hoje com 6 anos.
O que dizem os
fabricantes
Para os fabricantes
de agrotóxicos, os produtos são seguros e os casos de contaminação ambiental e
intoxicação de pessoas são "excepcionais".
De 2007 a 2017, data do último
levantamento oficial, quase 40 mil casos de intoxicação aguda por agrotóxicos
foram notificados no Brasil. Quase 1,9 mil pessoas morreram.
"Eles não podem ser ignorados.
Precisamos agir em cima desses casos. Quando um se torna conhecido, ações
corretivas devem ser tomadas, de educação, de treinamento, de uso correto e
seguro", diz Mário Von Zuben, da Andef, entidade formada pelas indústrias.
Mesmo que, por enquanto, nosso modelo
de agricultura não permita eliminar os agrotóxicos, os pesquisadores garantem
que dá para fazer muito melhor do que fizemos até agora.
Segundo Marcelo Morandi, pesquisador da
Embrapa Meio Ambiente, é possível reduzir a contaminação no momento da
aplicação com o uso adequado de equipamentos de proteção individual (EPIs) e
seguindo as formas corretas de aplicação.
"Aí tem a questão: como está minha conservação de solo,
como está a minha aplicação frente às fontes de água? Estou respeitando os
limites, as formas?", questiona.
É justamente isso
que o Globo Rural vai trazer no próximo domingo (7). O programa vai mostrar as
técnicas que ajudam no controle de pragas e doenças usando menos agrotóxicos.
Brasil registra 40
mil casos de intoxicação por agrotóxicos em uma década
No
Paraná, estado com maior número de casos relatados, comunidades se organizam
para tentar se livrar dos efeitos dos venenos. Uma das opções é 'cortina
verde'.
O agrotóxico é uma ferramenta de trabalho comum na agricultura,
mas esses produtos podem ser perigosos e muitas vezes são usados de maneira
errada. De 2007 a 2017, data do último levantamento oficial, foram notificados
cerca de 40 mil casos de intoxicação aguda por causa deles. Quase 1.900 pessoas
morreram.
Segundo maior
produtor de grãos do país, o Paraná é o estado com o maior número de casos
relatados – e também o que tem o sistema mais eficiente de notificações.
Muitas comunidades paranaenses estão se organizando para tentar
se livrar dos efeitos dos venenos agrícolas. Em alguns casos, ele chega pelo
ar.
“A
gente sente o cheiro do veneno entrando pela janela”, conta Mauritânia Guedes,
que mora em Luiziana. Na cidade cercada por lavouras, apenas a rua separa as
casas da plantação em alguns bairros.
Luiziana se
tornou um dos primeiros municípios do Paraná a fazer valer uma lei que impõe
regras para o uso de agrotóxicos ao redor da cidade.
A regra entrou em vigor no final de
2017 e determina que os agricultores que quiserem produzir perto de núcleos
habitacionais têm que implantar "cortinas verdes".
"Cortinas
verdes"são duas fileiras de árvores, uma arbórea e uma arbustiva, para o
controle do agrotóxico. Elas têm que ser implantadas há 50 metros da divisa da
propriedade com o núcleo urbano.
O agricultor até
pode produzir nesta área, desde que não use veneno.
Fazer a barreira é opcional, mas, sem
ela, é proibido usar agrotóxico numa faixa de 100 metros da cidade.
Na frente do
hospital
Campo Mourão tem um
caso semelhante. A Santa Casa, que abriga também um centro de tratamento de
câncer e uma maternidade, fica em frente a uma imensa lavoura que também usa
agrotóxico.
O Ministério Público está notificando
os agricultores sobre uma lei que a cidade tem desde 1997, que proíbe a
aplicação de veneno a 100 metros de qualquer núcleo habitacional.
A fazenda perto da Santa Casa pertence
a José Luiz Gurgel e ao filho dele, Luiz Gustavo, ambos advogados. Segundo
eles, a área onde está a o hospital pertencia à propriedade e foi doada pela
família.
Luiz Gustavo não concorda com a
proibição: “O agrotóxico que se passava aqui em hipótese alguma causou prejuízo
para qualquer criança que nasça aqui. Os meus filhos nasceram aqui na Santa
Casa”.
Apesar disso, ele afirma que cumprirá a
lei. “Nós vamos trabalhar 100% com produtos orgânicos, sem agrotóxicos”,
afirma. “Se, infelizmente, nós tivermos alguma praga que não se mate sem
agrotóxicos, nós vamos ter que tombar a terra, acabar com a produção e depois
cobrar, logicamente, de quem for necessário”, diz.
É possível produzir
sem agrotóxico?
Na safra 2017/ 2018
o país produziu cerca de 228 milhões de toneladas de grãos. E consumiu quase
500 mil toneladas de agrotóxicos em 2017, segundo o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“O
Brasil é um grande usuário de agrotóxicos, sim, porque, de fato, nós temos uma
agricultura que é uma das maiores do mundo. Então, nesse sentido, é
compatível”, diz o agrônomo Marcelo Morandi, chefe da Embrapa Meio Ambiente.
Ele explica que o modelo de agricultura intensiva, praticado no
mundo todo desde o final da Segunda Guerra mundial, fez crescer a produção
global de alimentos. E trouxe junto com ele a necessidade de combater pragas e
doenças que atacam as lavouras.
Ranking
Para a Andef –
entidade formada pelas indústrias que desenvolvem e fabricam agrotóxicos –, o
uso desses produtos no país é eficiente.
“(O
Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo?) Não. Quando a gente olha
utilização por área, o Brasil já cai para sétimo”, afirma Mário von Zuben,
diretor-executivo da associação.
“Se a gente olha por
tonelada de produto extraída da área onde foi aplicado, o Brasil é o 13º. A
gente deixa para trás países como os Estados Unidos, Canadá, países europeus
como a Inglaterra, Alemanha, a própria França. Isso mostra eficiência na
utilização dessa tecnologia aqui.”
Os dados da Andef mostram que, em
média, o Brasil gasta menos de R$ 35 para produzir uma tonelada de alimentos.
Os EUA gastam R$ 44. E no Japão, primeiro colocado neste ranking, o valor é de
R$ 372.
Segundo Zuben, atualmente não seria
possível eliminar o agrotóxico do processo de produção. “Nós traríamos uma
crise mundial de alimentos. De fome”, avalia.
Em 2017, o mercado de agrotóxicos
movimentou mais de R$ 33 bilhões no Brasil. Os campeões de venda são os
herbicidas, usados principalmente na cultura da soja. Em seguida, vêm
fungicidas e inseticidas.
Manejo correto da
terra evita contaminação de rios por agrotóxicos
Veneno
levado pela chuva até os córregos e ribeirões contamina água, afeta saúde de
peixes e de animais que a consomem. Barreiras e sistemas de plantio podem
evitar problema
Se o agricultor não cuida bem da sua terra, em períodos de chuva,
pode empurrar para dentro dos rios solo e resíduos que afetam a qualidade da
água, inclusive os agrotóxicos.
Se não for contida
de forma mecânica, a água que escoa ganha velocidade e volume, fazendo com que
o solo se desprenda e seja carregado até chegar aos rios, explica o agrônomo
Henrique Debiasi, doutor em física de solo em pesquisador da Embrapa Soja, em
Londrina, no Paraná.
"Essa água carrega, além do solo, moléculas de agrotóxicos
e também de fertilizantes, que uma vez escoando na superfície vão em pouco
tempo parar no riacho", diz.
Saúde dos peixes
afetada
Biólogos da
Universidade Estadual de Londrina passaram 2017 estudando um dos rios da
região, o Ribeirão Cafezal. Eles analisaram a presença de resíduos de venenos
na água e descobriram que a saúde do peixes foi afetada.
Dos
33 agrotóxicos usados atualmente que foram analisados, 7 foram encontrados no
ribeirão.
Também foram
encontrados vários organoclorados, agrotóxicos que não se usa mais, entre eles
o endosulfan, que teve a venda proibida no Brasil em 2013, e o DDT, inseticida
proibido desde 1985.
Os resíduos estavam abaixo dos limites de segurança
estabelecidos pela lei, mas mesmo assim, afetaram a saúde dos peixes.
"Esses resíduos de endosulfan
foram os que mais preocuparam. Porque verificamos um aumento do endosulfan no
fígado dos peixes", explica Cláudia Martinez, doutora em fisiologia de
animais aquáticos.
Em outra linha de pesquisa, dentro do
laboratório, peixes e pequenos moluscos foram mantidos em água com uma mistura
de dois herbicidas de uso atual.
"Quando
esses animais foram expostos aos dois herbicidas juntos, começamos a observar
um aumento significativo de danos no DNA. Ou seja, a gente tem o efeito da
mistura de dois herbicidas, diz Cláudia.
"Mas o que a
gente viu no ambiente, pelo menos nesse último trabalho, foram ao menos 7 na
água", completa.
Teste com glifosato
Na Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, em Cascavel, outra pesquisa investiga o efeito dos
agrotóxicos na vida de cobaias de laboratório.
Durante a prenhez e lactação, as fêmeas
receberam água com o herbicida glifosato, também abaixo dos limites permitidos
por lei. Depois, os pesquisadores avaliaram a saúde dos filhos dessas cobaias,
na idade adulta e os resultados foram assustadores.
"A primeira coisa que a gente
observou foi um aumento da intolerância à glicose e de uma baixa sensibilidade
à insulina. Isso pode predispor o animal ao diabetes. Outra coisa que a gente
verificou é que o fígado deles já apresenta focos inflamatórios", explica
a bióloga e professora Maria Lúcia Bonflair.
No
sistema reprodutor é que a gente mais observou alterações. A gente viu uma
diminuição na quantidade de espermatozoides", diz a especialista.
Procurada, a Bayer,
fabricante do glifosato, questionou o rigor científico da pesquisa. Em nota, a
empresa alegou que foi utilizado um número reduzido de cobaias e que o tempo de
exposição ao produto não corresponde ao que acontece no campo.
Citou, ainda, o relatório divulgado recentemente pela Anvisa,
afirmando que o produto não afeta o sistema endócrino.
Cynthia Malaghini, gerente de avaliação
de conformidade da Companhia de Abastecimento de Água e Saneamento do Paraná
(Sanepar), explica que, duas vezes por ano, é obrigatório monitorar a presença
de contaminantes agrícolas na água fornecida à população.
"Nós testamos os princípios ativos
que estão na portaria de consolidação 5 do Ministério da Saúde. Atualmente, são
38. Mas no estado todo se usa mais de 500, que não são avaliados", diz.
Como evitar
Para os
pesquisadores, a única forma de evitar problemas é tentar impedir que os
venenos agrícolas cheguem até os rios, que, muitas vezes, fornecem água para a
população. E tecnologia para isso não falta.
São os chamados sistemas de conservação
de solo. A ideia é construir barreiras, como terraços e curvas de nível, para
reduzir a velocidade da água da chuva, fazendo com ela fique represada entre as
barreiras e se infiltre lentamente na terra.
"Essa
água vai chegar até o rio, mas não pela superfície, vai chegar pelo solo.
Então, vai passar por todo um processo de filtragem. E na hora que ela chegar
lá no rio, vai estar mais limpa do que a própria água do rio", diz
Henrique, da Embrapa.
Um bom sistema de
plantio direto também ajuda muito. Funciona assim: quando se colhe uma lavoura,
a palha e as raízes permanecem no solo. Por cima desse material, revolvendo a
terra o mínimo possível, se planta a próxima cultura.
O ideal é que a área nunca fique
descoberta, mesmo na entressafra, quando os técnicos recomendam a implantação
de adubos verdes ou braquiária.
"(A braquiária) vai reduzir a
infestação de plantas daninhas de difícil controle, por exemplo a buva e o
amargoso. E dados da Emater mostram que é possível economizar em torno de R$
150 por hectare por ano com herbicidas no controle dessas duas plantas
utilizando a braquiária. Isso é retorno econômico para o produtor, mas
principalmente redução no impacto ambiental associado ao uso do
agrotóxico", destaca Henrique Debiasi, da Embrapa Soja.
Programas reduzem
uso de agrotóxicos e dano ambiental, e geram economia para produtor
Dá
para usar menos veneno com manejo integrado de pragas e doenças. Equipamentos
de proteção individual são indispensáveis para aplicar o produto.
Informação
e vigilância constante são as principais armas para usar agrotóxicos de forma
mais racional e sustentável. Conhecer bem o lugar onde se produz, ficar atento
ao que acontece no clima da região e, especialmente, monitorar as lavouras são
ações fundamentais para se reduzir o uso de veneno.
A própria indústria do agrotóxico reconhece que é possível usar
os produtos de forma mais racional. "Se a gente considerar a realidade de
hoje, em que a gente está enfrentando problemas de resistência de pragas, é
essencial que se tenha o máximo de ferramentas disponíveis", diz Mário Von
Zuben, diretor executivo da Andef, entidade formada pelas fabricantes.
"A convergência de tecnologias
hoje já permite que haja um maior equilíbrio entre a utilização de defensivos
químicos, dos eventos de biotecnologia, que nos últimos 10 a 15 anos já são uma
realidade no país, e também dos produtos biológicos que vêm crescendo
bastante", emenda.
Ferramentas para ajudar no controle não
faltam. O manejo integrado de doenças (MID) e o manejo integrado de pragas
(MIP) são tecnologias consagradas que auxiliam o produtor a escolher o melhor
momento para controlar o que acontece na lavoura.
Manejo integrado de
pragas (MIP)
O MIP só requer um
pano de batida. É um tecido, de 1 metro de comprimento, que retira a amostra de
1 metro da linha plantada. Basta percorrer a área e chacoalhar a planta em,
pelo menos, um ponto a cada 10 hectares.
Depois, é só contar quantas lagartas e
percevejos caíram no pano. Para cada praga, há um número de indivíduos que
determina a necessidade de controle. Abaixo do limite, não é preciso controlar.
Manejo integrado de
doenças (MID)
O coletor de
esporos, que são como sementes de fungo, é usado para o MID, o manejo das
doenças. Atualmente, é uma das principais ferramentas para monitorar a ferrugem
da soja, principal doença da cultura.
Dentro do tubo, há uma lâmina de vidro
de microscopia e, nela, uma fita dupla face. Os esporos do fungo que causam a
ferrugem são disseminados pelo vento e, ao passar por dentro do coletor, acabam
presos na fita.
A lâmina é retirada de uma a duas vezes
por semana e levada a um laboratório, onde uma pessoa treinada vai verificar se
tem ou não esporos nela.
Menos veneno, mais
economia
Há cerca de 6 anos,
em parceria com a Emater do Paraná, a Embrapa Soja criou um grupo de
propriedades que rigorosamente faz plantio direto, MIP e MID.
Paulo Mirtv, chefe do escritório da
Emater, coordena a parte de campo do programa, em Londrina. Ele conta que há
dois coletores instalados em fazendas em pontos bem diferentes do município, e
que eles servem de referência para todos os agricultores da região.
A unidade de referência tem 26
hectares, mas, no entorno, mais de 1,6 mil hectares plantados dependem das
informações que saem de lá para decidir se fazem ou não o controle.
“Os
vizinhos faziam 4, 5 aplicações de fungicida. E, hoje, nós estamos aí com soja
plantada em 20 de outubro não foi feita nenhuma aplicação”, conta Paulo.
O resultado foi tão bom que o grupo, que começou com 50
propriedades, hoje já tem 196.
O sítio Ventania, uma das unidades de
referência do programa, já faz monitoramento de pragas e de doenças há quase 6
anos, com redução no uso de agrotóxicos muito significativa.
A propriedade tem 60 hectares e fica no
município de Londrina. Ela pertence a Cláudio Alves, que toca o trabalho com a
ajuda do filho Vinícius, estudante de agronomia.
Vinícius
conta que o número de aplicações de herbicidas, fungicidas e herbicidas caiu de
6 a 7 vezes depois do programa. Com esse manejo, economizou na safra de soja
passada cerca de R$ 60 mil.
"É muito
dinheiro! É uma economia. O lucro no meu bolso e a natureza agradece de a gente
usar menos agrotóxico. Porque está demais, o povo está (usando) demais!"
Proteção para o
agricultor
Paulo Mirtv,
especialista em meio ambiente, lembra que o controle rigoroso do uso de
agrotóxico é bom para todos, especialmente para o agricultor.
"O produtor tem que ganhar
dinheiro (...) só adota (o programa) se ele achar que é interessante para o
bolso dele. Nós temos que pensar na lucratividade e até nos danos, nas questões
ambientais. O que vamos deixar para a próxima geração? Um solo totalmente
poluído, água contaminada."
Junto com o programa, vêm outros
benefícios. O Cláudio, por exemplo, nunca usou um equipamento de proteção
individual (EPI), que é lei no Brasil e todo mundo que mexe com agrotóxicos tem
que usar.
"Todos
os agrotóxicos são prejudiciais, porque são produtos químicos. Se você usar o
equipamento de proteção individual, está minimizando esses riscos. Agora, é
100% de proteção? Se o uso for feito de forma correta, garante o isolamento
praticamente total das partículas do agrotóxico", explica a agrônoma Flaviane
Medeiros, técnica do Senar, que dá treinamentos e cursos na área de segurança.
Veja dicas para usar
o EPI:
·
o EPI para usar agrotóxicos
inclui: calça, blusa, boné, bota, avental, respirador, touca e viseira.
·
é preciso vestir antes de começar
a lidar com qualquer agrotóxico. Desde o preparo da calda, até a aplicação.
Mesmo com trator cabinado. Porque se houver algum problema durante o trabalho,
e o operador tiver que fazer algum conserto, desentupir um bico de
pulverizador, por exemplo, estará protegido do contato com o produto.
·
dependendo da marca, o EPI tem um
número máximo de lavagens, que deve ser respeitado para manter a segurança.
·
Governo libera mais
2 agrotóxicos inéditos e 55 genéricos
Dos
produtos novos, um deles é biológico e o outro é classificado como de baixa
toxicidade. Ao todo, foram aprovados 439 pesticidas no ano.
O Ministério da
Agricultura publicou nesta quarta-feira (27) a autorização do registro de
mais 2 agrotóxicos inéditos. Além deles, foram liberados outros 55 genéricos — variações
de produtos que já existem no mercado.
Dos produtos novos, um é um agrotóxico biológico e outro é
considerado de baixa toxicidade conforme a nova metodologia de classificação da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Pela legislação brasileira, tanto produtos biológicos
utilizados na agricultura orgânica quanto químicos utilizados na produção
convencional são considerados agrotóxicos.
O defensivo biológico é a vespa Telenomus podisi e poderá ser usado
para combater o percevejo marrom.
"O percevejo marrom é uma praga de
grande importância na cultura da soja, que só contava com opções químicas para
o seu controle. Esta vespa parasita ovos do percevejo marrom, favorecendo uma
diminuição populacional da praga e aumentando o número de inimigos naturais no
campo", explicou, em nota, o coordenador de Agrotóxicos do Ministério da
Agricultura, Carlos Venâncio.
O outro novo agrotóxico aprovado, considerado de baixa
toxicidade pela Anvisa, é um fungicida formulado à base de óleo de casca de
laranja. Ele poderá ser usado para combater o pulgão em pequenas culturas como
alface.
O produto é autorizado nos Estados
Unidos e não tem registro na União Europeia.
Genéricos
Entre os pesticidas
genéricos que tiveram o registro publicado hoje, 12 são produtos biológicos ou
orgânicos, que podem ser usados tanto na agricultura orgânica quanto na
tradicional, informou o governo.
Um dos genéricos autorizados tem como ingrediente ativo o
glifosato, o agrotóxico mais vendido no mundo e que está
sendo questionado em outros países por uma possível relação com o câncer.
Outro princípio ativo que teve um
genérico registrado nesta leva foi o acefato, muito usado no Brasil para
controlar o percevejo. O uso dele é restrito no país e só pode ser aplicado por
máquinas. O ingrediente é autorizado nos EUA e banido na UE.
Também houve o registro de genéricos de
2 princípios ativos que estão em reavaliação no Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por possível relação com a
morte de abelhas: os inseticidas iImidacloprido e tiametoxam.
Ritmo de liberação
Com o anúncio desta
quarta-feira, já são 439 novos produtos liberados em 2019, sendo 25 inéditos.
O ritmo de liberação permanece como o
maior ritmo da história. Até novembro do ano passado, o governo havia
registrado 374 agrotóxicos.
O número total de registros neste ano
chega próximo aos 449 autorizados em 2018, até agora o maior número da série
histórica, iniciada em 2005.
Segundo o governo, a maior velocidade
na liberação de agrotóxicos vista nos últimos anos se deve a medidas de
desburocratização que foram adotadas desde 2015 na fila de registros.
O objetivo, de acordo com o ministério, é aprovar novas
moléculas, menos tóxicas e ambientalmente mais corretas para substituir
produtos antigos. Isso porque as empresas que desenvolvem agrotóxicos só podem
registrar itens de ação parecida se eles tiverem um risco à saúde menor ou
igual do que os que já estão no mercado.
Ainda segundo o governo, a liberação de
mais agrotóxicos também aumenta a concorrência no mercado e diminui o preço dos
defensivos, o que faz cair o custo de produção.
A associação que representa as
fabricantes de agrotóxicos (Andef) afirma que a fila para aprovações de
agrotóxicos no Brasil é mais lenta em comparação com a da União Europeia e dos
Estados Unidos.
Segundo as empresas, o desenvolvimento
de 1 princípio ativo inédito para agrotóxico leva de 10 a 11 anos e custa em
torno de US$ 286 milhões.
Agrônomos afirmam que é melhor ter mais
produtos registrados do que correr o risco de que os produtores recorram a
agrotóxicos "piratas", mas alertam que, quanto maior o uso, mais
resistência as pragas têm ao veneno.
Para ambientalistas, no entanto, a
aceleração do ritmo de aprovações é uma forma de o governo colocar em prática
tópicos do polêmico projeto de lei 6.299/02, que ficou conhecido como
"pacote do veneno", que ainda está em discussão na Câmara dos
Deputados.
Na semana passada, um juiz federal do Ceará suspendeu provisoriamente o registro de 63
agrotóxicos autorizados no dia 17 de setembro.
Registro de
agrotóxicos no Brasil até novembro de 2019 — Foto: Aparecido Gonçalves/G1
Como funciona o
registro
O aval para um novo
agrotóxico no país passa por 3 órgãos reguladores:
·
Anvisa, que avalia os riscos à saúde;
·
Ibama, que analisa os perigos
ambientais;
·
Ministério da Agricultura, que analisa
se ele é eficaz para matar pragas e doenças no campo. É a pasta que formaliza o
registro, desde que o produto tenha sido aprovado por todos os órgãos.
Tipos de registros de
agrotóxicos:
·
Produto técnico: princípio ativo novo; não
comercializado, vai na composição de produtos que serão vendidos.
·
Produto técnico equivalente:
"cópias" de princípios ativos inéditos, que podem ser feitas quando
caem as patentes e vão ser usadas na formulação de produtos comerciais. É comum
as empresas registrarem um mesmo princípio ativo várias vezes, para poder
fabricar venenos específicos para plantações diferentes, por exemplo;
·
Produto formulado: é o produto final, aquilo que
chega para o agricultor;
·
Produto formulado equivalente:
produto final "genérico".
Entenda o que muda
na classificação dos agrotóxicos pela Anvisa
Pesticidas
considerados altamente tóxicos poderão ser rotulados de forma mais branda, o
que é criticado por ambientalistas. Agência diz que país está adotando padrão
internacional e que 'régua mais baixa' pode ajudar a diminuir nível de
toxicidade de futuros produtos.
O novo marco regulatório para a avaliação de risco de agrotóxicos,
anunciado na última terça-feira (23) pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa),
muda o jeito de classificar esses produtos.
Isso vai aparecer
nas embalagens dos pesticidas e servir para orientar os agricultores na hora de
usá-los. Os fabricantes terão 1 ano para se adaptar.
A Anvisa diz que o
novo critério segue um padrão internacional e é mais restritivo. Mas admite
que, pelo novo método, produtos que atualmente são considerados muito tóxicos
poderão ter uma classificação mais branda.
Dos 2.201
agrotóxicos registrados no Brasil que estão no mercado, a Anvisa já recebeu
dados para reclassificação de risco de 1.981 produtos.
A agência estimou que o volume
dos considerados "extremamente tóxicos" poderá baixar de 800 para 300
na nova metodologia.
Isso
porque mudou o que será levado em conta na hora de dizer o quão perigoso é o
produto.
Como era antes:
·
Pela lei que rege os agrotóxicos,
da década de 1990, existiam 4 classificações;
·
Também podiam ser classificados
como "extremamente tóxicos" (tarja vermelha) produtos que não
necessariamente levariam à morte, mas causariam lesões ou irritação severa se
ingeridos ou entrassem em contato com a pele ou olhos. Ou seja, risco de morte
ou de graves lesões ou intoxicação eram tratados da mesma maneira.
Como fica:
·
Agora, serão 6 classificações;
·
Mas só vai receber o título de
"extremamente tóxico" (tarja vermelha) ou "altamente
tóxico" (vermelha) o produto que levar à morte se ingerido ou entrar em
contato com pele e olhos. Os que podem causar intoxicação, sem risco de morte,
levarão a classificação "moderadamente tóxico" (amarela), "pouco
tóxico" (azul) ou "improvável de causar dano agudo" (azul).
·
Veja a tabela completa abaixo.
O que muda com o novo marco regulatório de agrotóxicos da Anvisa — Foto: Wagner Magalhães/G1
As mudanças geraram críticas de
ambientalistas.
"Esse
marco não é mais restritivo, ele aumenta os níveis de classificação, mas não
significa que seja mais restritivo. A diminuição de produtos da lista de 'muito
tóxicos' representa, sim, um afrouxamento", disse Marina Lacôrte, do
Greenpeace.
A Anvisa nega que esteja acontecendo
uma flexibilização dos critérios.
"É
uma palavra que pode ser utilizada [flexibilização], mas não é assim. Nós
estamos igualando, como eu venho falando, o marco regulatório do Brasil com o
marco regulatório do mundo. Então, se nós estamos flexibilizando, então o mundo
está flexibilizando... não é por aí", afirmou o diretor de agrotóxicos da
agência, Renato Porto, ao Jornal Nacional.
Para o professor da Escola Superior
de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq-USP) e presidente do Conselho
Científico Agro Sustentável, José Otávio Menten, a adoção do GHS como padrão
para a classificação foi positiva.
Na avaliação dele, as novas
categorias aproximam o Brasil de países que são referência no uso de defensivos
agrícolas.
“Uma mudança importante pedida por
acadêmicos, setor e técnicos em geral era a adoção do GHS, que deixa de fazer a
classificação do risco pelo perigo. Não vejo nada de negativo, apenas colocou a
legislação no patamar internacional”, explicou.
“Alguns
produtos de baixa toxicidade tinham uma classificação muito rigorosa porque
causavam irritações na pele e nos olhos, mas não traziam risco [de morte]”,
José Otávio Menten, da Esalq-USP.
Anvisa defende
'régua' mais baixa
Para Porto, essa
mudança pode tornar mais rígido o registro de futuros produtos no país.
Isso porque a lei diz que empresas que
desenvolvem agrotóxicos só podem registrar itens de ação parecida se eles
tiverem um risco menor do que os que já estão no mercado.
“Existe uma regra que um produto de
ação similar só pode ser registrado se ele estiver em uma classe menos tóxica”,
explicou. “Quando eu baixo essa régua dos produtos [já registrados], eu imponho
que o próximo produto tenha um risco ainda menor. Assim, nós conseguimos
espremer para baixo o nível de toxicidade”, afirmou ao G1.
A Andef, que representa as fabricantes
de agrotóxicos no país, recebeu de forma positiva o novo marco. “Devido à
evolução científica do conhecimento em mais de duas décadas da lei que rege o
sistema de defensivos agrícolas, é preciso avançar com a responsabilidade de
responder às demandas do campo”, disse a entidade, em nota.
Para Marina Lacôrte, do Greenpeace, a
mudança da metodologia acompanha uma movimentação do governo para maior
aprovação dos agrotóxicos.
"Essa era uma coisa que estava em
discussão no 'Pacote do Veneno' (projeto de lei que tramita na Câmara e propõe
mudanças no registro de agrotóxicos). Estamos vendo uma parte deste pacote
sendo aplicada diretamente pelo executivo, de forma repentina", afirmou.
O ritmo de liberações de agrotóxicos
neste ano é o mais alto já registrado. Para um produto
ser aprovado, ele tem que ter o aval da Anvisa, do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente (Ibama) e do Ministério da Agricultura.
Mais detalhes, menos
caveiras
O diretor da agência
de vigilância sanitária destacou que as embalagens dos agrotóxicos terão
informações mais claras do que atualmente.
"Antes, eu [Anvisa] dizia que o
produto era tóxico, mas não falava como ele [consumidor] deveria se proteger. O
rótulo atual diz a classificação, mas não avisa qual o risco. Como quem está
usando vai saber do que se proteger?", explicou Renato Porto.
Advertências sobre riscos à saúde terão novos símbolos nos rótulos dos
agrotóxicos — Foto: Juliane Monteiro/G1
Os novos rótulos terão frases como
"mata se for ingerido", "tóxico se em contato com a pele",
e "provoca queimaduras graves" e deverão detalhar os perigos, o que
não acontece atualmente.
A
caveira que aparece hoje na maioria das embalagens de agrotóxicos só será usada
para os que forem classificados como "extremamente tóxicos",
"altamente tóxicos" e "moderadamente tóxicos".
Marina Lacôrte, do Greenpeace, entende que ela é um símbolo
importante porque o nível de escolaridade de trabalhadores rurais é muito
variado e a figura dava um recado. "É importante saber que aquilo é tóxico
e carrega consigo o perigo", apontou.
Para Carlos Bocuhy, presidente do
Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), o novo padrão não levou em
conta os impactos do uso de agrotóxicos no médio e longo prazo para a população
e o meio ambiente.
“Infelizmente podemos dizer que é uma
regulamentação voltada para aquele que manuseia o agrotóxico, muito mais
relacionada à segurança do trabalho e muito menos protetiva no sentido de
informar a sociedade do risco que está passando, digamos assim”, afirmou à
GloboNews.
Para Menten, da Esalq-USP, a nova regra acaba sendo mais voltada
para produtores rurais e trabalhadores que se expõem mais aos pesticidas, mas
ele acredita que a população urbana terá mais segurança sobre os alimentos.
"A sociedade, os consumidores de
alimentos, eles têm que ter a segurança de que produzimos alimentos saudáveis.
Essa modernização vai mostrar que os produtos e os monitoramentos estão sendo
feitos dentro de padrões internacionais", argumenta.
O que é o GHS
O novo padrão é
chamado de Sistema de Classificação Globalmente Unificado (Globally Harmozed
System of Classification and Labelling of Chemicals — GHS, em inglês).
Endossado pela Organização das Nações Unidas (ONU), ele foi
proposto pela primeira vez em 1992, na Eco 92. A partir de 2008, a comunidade
europeia adotou esse padrão para classificação, rotulagem e embalagem de
substâncias e produtos. Além disso, 53 países já realizaram a implementação
total e 12 países a implementação parcial.
Os Estados Unidos
não utilizam o método como um critério de classificação toxicológica, mas estabeleceram,
em 2012, uma fase de transição, com a inserção de símbolos e alertas de perigo
que surgiram do GHS.
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