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COMO ANALISAR RÓTULOS DE ALIMENTOS PROCESSADOS OU INDUSTRIALIZADOS: PARTE 1 E 2


DE OLHO NA INDÚSTRIA

COMO ANALISAR RÓTULOS – PARTE 1

Não é fácil mudar hábitos alimentares, né? Dizem que basta querer e ter força de vontade, mas na verdade tudo o que a gente come é influenciado por fatores para além da nossa casa. Nossas escolhas têm a ver com o lugar onde crescemos, com o processo de colonização europeia, a super influência dos Estados Unidos em cada respiro que a gente dá, o marketing das grandes empresas na TV, na internet, o tempo que temos disponível pra cozinhar, se temos acesso fácil a alimentos naturais e orgânicos, questões de renda, além de informação, claro, e outros mil fatores. 

Tudo isso pra dizer que a gente precisa se preocupar em fazer escolhas alimentares saudáveis e sustentáveis, óbvio. Mas sem esquecer que isso não basta. Faltam leis mais rígidas que obriguem as empresas a serem mais honestas nas embalagens dos produtos, por exemplo. Faltam políticas públicas pra levar comida fresca aos desertos alimentares, pra restringir o uso de agrotóxicos, pra incentivar a produção de orgânicos, regras mais severas para a publicidade, principalmente para a publicidade infantil, etc. 

Esse post tem 2 funções então: te ajudar a fazer escolhas mais conscientes no supermercado, porque é um direito seu saber exatamente o que tá comprando, mas também te convocar pra construir outro sistema alimentar junto comigo e junto com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec, que me apoia nesse conteúdo.

Ah! Aqui no Brasil, o principal órgão responsável por exigir que as empresas coloquem isso ou aquilo nos rótulos dos alimentos é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que foi criada em 1999 e pertence ao Ministério da Saúde. 

Mas antes de começar com as dicas sobre a análise crítica das embalagens, não custa lembrar: nem todo alimento processado ou industrializado é ruim, viu? Na verdade, se não fosse pelo processo de armazenamento e embalagem industrial eu não conseguiria comprar o arroz agroecológico maravilhoso produzido pelos assentados do Movimento Sem Terra. Entende?

Moer, desidratar, pasteurizar, refrigerar, congelar, fermentar e embalar são processos básicos na indústria de alimentos. Sim, quanto mais artesanal o produto for, melhor, até pela questão social, né? De comprar de um pequeno produtor, em vez de uma mega empresa. Mas esses processos industriais básicos não podem ser demonizados. Em resumo, quase tudo o que a gente come passou por algum tipo de processamento, com exceção dos alimentos in natura, como brócolis e rúcula. Os grãos passam pela moagem pra virar farinha, os cogumelos e frutas são desidratados, leites vegetais ou animais são pausterizados, etc.

O próprio Guia Alimentar para a População Brasileira, documento incrível, referência no mundo inteiro (acesse aqui), recomenda que a gente consuma alimentos processados ou minimamente processados também. Só fique atento pra 2 pontos. Procure alimentos processados à base de milho, como fubá, cuscuz ou flocão que não tenham o triângulo que indica a presença de milho transgênico. Mesma coisa pros alimentos que contém derivados de soja. E isso é mais comum de conseguir nas feiras do que nos supermercados. Outro ponto: goma de tapioca, por exemplo, é um alimento minimamente processado, mas varia muito de uma marca pra outra. Algumas incluem vários conservantes. Não deixe de conferir a lista de ingredientes, viu? 

Agora, nossos olhos precisam estar atentos mesmo é pras mentiras empacotadas, os chamados alimentos ultraprocessados. São refrigerantes, bolos industrializados, hambúrgueres, nuggets, lasanhas prontas, macarrão instantâneo, biscoitos recheados, balas, sorvetes… Já existem muitos estudos que mostram que o consumo dessa galera tá associado ao desenvolvimento de doenças crônicas não-transmissíveis, como hipertensão e diabetes. E não para só na questão da saúde, né? Essas substâncias comestíveis também geram muito lixo, gastam muitos recursos naturais no seu processo de preparo e representam um tipo de comida muuuuuito distante do que nossas avós comiam. Sem vida, feita pra comer rápido, correndo, que não faz parte da nossa cultura alimentar.

Fora a enganação do próprio produto em si, né? As marcas dizem que vendem fibras, sabor, energia, vitaminas, mas vendem mesmo é gordura de péssima qualidade, toneladas de sal e açúcar, além do combo fake: corantes, aromatizantes, espessantes artificiais, conservadores, etc. 

Ah! Tem mais! Os produtos ultraprocessados são tão bizarros que fica mais difícil classificá-los em algo óbvio como “doce” ou “salgado”. Bebidas como refrigerantes, que entendemos como “doces”, tem doses exorbitantes de sódio, principalmente as versões light e zero. Assim como alimentos salgados, como aquele biscoito água e sal, possuem quantidades absurdas de açúcar. 

Agora podemos começar o guia pra te ajudar na empreitada de encarar o supermercado com olhos mais atentos. Ah! Não tem uma ordem de prioridade aqui, viu? Vou listar os critérios que eu mesma uso na hora de escolher o que comprar. Veja o que faz sentido pra você.

1) Nome da empresa

Existe uma pequena lista de multinacionais que controla basicamente TODA a produção de alimentos e bebidas do mundo. E elas vivem comprando empresas menores ou se fundindo entre si pra monopolizar um setor. Por exemplo: uma empresa brasileira chamada 3G Capital comprou o Burguer King e o catchup Heiz, e seus donos são acionistas da Ambev.

E jeito de produzir dessas mega multinacionais a gente já conhece, né? Não tem como sair algo maravilhoso dos grandes monopólios. Essa galera não costuma remunerar de forma justa seus fornecedores (quando não estão envolvidas em casos de trabalho análogo à escravidão), causam danos ambientais surreais, quebram os comércios locais, investem muito em marketing, financiam pesquisas científicas que as favorecem (leia “Uma verdade indigesta”, da Marion Nestle!), influenciam políticas públicas de saúde do mundo inteiro e enchem médicos e nutricionistas de presentinhos. Na lista dessas megaempresas, algumas das que estão em peso nos nossos supermercados são:

Coca Cola (Estados Unidos), simplesmente dona de 600 marcas, como Fanta, Mate Leão, Ades, Sprite, Sucos Del Valle, Schweppes, água Crystal, etc.

Pepsico (Estados Unidos), dona das marcas: salgadinhos Elma Chips, Pepsi, Toddy, Toddynho, Kero Coco, Mabel, Quaker…

Cargill (Estados Unidos), dona das marcas: Pomarola, Mazola, Olivia, Liza, Elefante, Maria, Purilev, Veleiro, Tarantella, Pomodoro, Extratomato..

Nestlé (Suíça), dona das marcas: Bonno, Leite Ninho, Nesfit, Nescafé, Neston, Mucilon, Nescau, Passatempo, Kit Kat, Leite Moça, Corn Flakes, Nesquik…

Danone (Espanha), dona da marcas: Neoforte (fórmula infantil), Activia, Danette, Corpos, Actimel, Danoninho, Silk…

Mondelez (Estados Unidos), dona das marcas: Trident, Milka, Nabisco, Oreo, Tang, Royal, Lacta, Sonho de Valsa, Babaloo, Bis, Trakinas..

Krafit Heinz (Estados Unidos), dona de marcas como a maionese e o catchup Heinz, creme Philadelphia, Quero!..

Unilever (Inglaterra), dona das marcas: Kibon, Hellmann’s, Becel, Knorr, Arisco, Lipton, Maizena…

JBS/Friboi (Brasil), dona das marcas: Vigor, Seara, Danubio, Itambé, Faixa Azul, Leco, Frangosul, Swift, Doriana..

BRF (Brasil), dona das marcas: Sadia, Perdigão, Qualy, Banvit, Sulina..

Observação: há produtos sem ingredientes de origem animal no rótulo que não podem ser compreendidos como veganos na minha opinião, uma vez que as empresas utilizam animais na produção de outras linhas ou testam em animais ou patrocinam eventos como rodeios e vaquejadas ou financiam campanhas de políticos da bancada ruralista. Ou seja, não dá pra separar a empresa do produto! Tudo o que a gente come é político!

2) Lista de ingredientes

A ordem dos ingredientes que aparecem na lista é decrescente, ou seja,  da maior quantidade pra menor, com exceção dos aditivos químicos, que sempre devem vir por último. Isso quer dizer que se açúcar for o primeiro da lista, é o que mais tem nesse produto. Esse é um bom jeito também de analisar se o alimento é realmente integral. Eu vejo assim: os cereais integrais precisam aparecer em maior quantidade que os refinados. Se tiver em dúvida entre comprar uma marca ou outra, não deixe de avaliar o número de ingredientes. Quanto menos, melhor. E itens como melhorador de farinha, aromatizantes, corante caramelo IV, gordura hidrogenada e açúcar invertido ou algo sem especificação, como proteína vegetal, por exemplo, indicam que o produto é um alimento ultraprocessado, bem distante da comida que preparamos em casa.

Atenção! Açúcar camuflado! Ele pode aparecer “escondido” de mil formas na lista de ingredientes. Por exemplo: glucose, lactose, glicose, xarope de malte, sacarose, frutose, açúcar invertido, dextrose, xarope de milho, maltodextrina, maltose. Muitos sucos de frutas também são usados para adoçar produtos, como o suco de maçã. Todos eles são tipos de açúcares. 

Não custa lembrar: A Organização Mundial da Saúde recomenda que o nosso consumo total de açúcar não ultrapasse 10% das calorias consumidas por dia. Maaaas, o Brasil ocupa o lugar de 4o maior comedor de açúcar do mundo, com uma média de 16, 3% das nossas calorias num dia. Saiba mais aqui.

Atenção! Néctar camuflado de “suco”! Suco você conhece: é feito com a fruta fresca ou com a sua polpa congelada, mas também pode ser encontrado no supermercado na versão integral, como os sucos de uva sem adição de açúcar e sem aditivos químicos. Mas apesar das embalagens serem lindas, com frutas em destaque, brilhosas e suculentas, os néctares não são sucos. Eles costumam vir em caixinhas, são muito comuns na lancheira das crianças, e possuem entre 30% e 50% de fruta, depende do sabor. No caso de laranja e uva a legislação brasileira exige que os néctares apresentem 50% de fruta, manga e pêssego, 40%. 

Mas pensa aqui comigo. Se esses néctares não são 100% fruta, o que mais tem ali além de água? Simples: açúcar, corantes, aromatizantes e outros aditivos químicos que barateiam o preço do produto e dão uma aparência de suco natural. Já os refrescos em pó, são uma roubada ainda maior. Tem marca que não alcança nem 1% de fruta. Ou seja, essas opções estão mais perto dos refrigerantes do que dos sucos naturais de fruta. 

Atenção! Sódio camuflado! Assim como o açúcar, o sal aparece de formas ainda mais difíceis de decifrar. Ingredientes de origem animal como queijos e calabresa ou de origem vegetal, como azeitonas, também contém sal, o que não aparece na lista de ingredientes muitas vezes. Além disso, existem adoçantes que contém sal (ciclamato de sódio e sacarina sódica), fermentos (bicarbonato de sódio), realçadores de sabor (glutamato monossódico) e conservantes (como nitrito de sódio e nitrato de sódio), e que não entram na conta da quantidade de sal informada pela marca. Ou seja, a gente come MUUUUITO mais sal do que as embalagens informam. Bora ver um exemplo?

O que a embalagem não mostra: produto preparado com exploração humana, animal e ambiental, ultraprocessado, com muito sódio camuflado e overdose de aditivos químicos.

As palavras em negrito representam o sódio camuflado na lista de ingredientes do produto acima: farinha de trigo fortificada com ferro e ácido fólico; linguiça calabresa (carne suína, sal, maltodextrina, pimenta calabresa, noz-moscada, dextrina, pimenta preta, estabilizantes: tripolifosfato de sódio e polifosfato de sódio; antioxidante isoascorbato de sódio; aromatizantes, acidulante ácido cítrico, reguladores de acidez citrato de sódio e lactato de sódio, conservadores nitrato de sódio e nitrito de sódio, corantes carmim de cochonilha, caramelo IV e vermelho beterraba), água, queijo mussarela, polpa de tomate, cebola, óleo de soja, azeitonasal, dextrose, fermento biológico, azeite de oliva, extrato de malte, orégano, emulsificantes polisorbato 80 e estearoil 2 lactil lactato de sódio, melhorador de farinha: cloridrato de I-cisteína.

Tem mais. Na tabela nutricional dessa pizza, a empresa informa que em cada 1/6 de pizza há 77mg de sódio. Isso significa que 1/6 dessa pizza tem 20% da quantidade de sódio que um indivíduo precisa num dia. Se uma pessoa come a pizza inteira sozinha em uma refeição, ela come muito mais do que o recomendado por dia. É surreal! 

Não custa lembrar: A Organização Mundial da Saúde recomenda que o nosso consumo de sal não exceda 2g por dia. Mas, a média do Brasil já é o dobro do recomendado, cerca de 4,1g por dia. E isso não se deve apenas ao fato de que comemos feijoadas muito salgadas, mas pelo nosso alto consumo de alimentos ultraprocessados, como essa pizza aí de cima. Como se não pudesse piorar, um estudo do Idec constatou que muitas empresas informam uma quantidade menor de sódio do que o produto realmente tem. Confira a lista de produtos aqui e entenda os problemas relacionados ao alto consumo de sódio aqui.

Atenção! Gordura trans camuflada: Esse ingrediente já foi banido do processo industrial de alimentos em vários países no mundo por seus malefícios pra saúde (saiba mais aqui). No Brasil, a Anvisa aprovou uma resolução pra restringir a quantidade dessa gordura entre julho de 2021 e janeiro de 2023. A partir desta data final, ficam proibidas a produção, a importação, o uso e a oferta de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados para uso em alimentos e alimentos formulados com estes ingredientes. 

Enquanto isso, a informação sobre a quantidade de gordura trans nos alimentos é obrigatória no Brasil. Mas se igual ou inferior a 0,2 gramas por porção do alimento, pode ser declarada como zero na tabela nutricional. E não custa lembrar, né? Não é porque um produto não tem gordura trans que ele é saudável.

Vamo pra lista de nomes que significam gordura trans: gordura vegetal hidrogenada, gordura parcialmente hidrogenada, óleo vegetal hidrogenado ou “hidrogenado” apenas. Ingredientes que podem conter gordura trans ou não: gordura vegetal, creme vegetal, margarina.

Para os veganos: também existem ingredientes que muita gente não sabe que são de origem animal, como gelatina, colágeno, caseína, carmim (ou cochonilha), albumina, etc. Há substâncias, ainda, que não aparecem na lista de ingredientes, mas que foram utilizadas no preparo dos produtos e a empresa não é obrigada a informar. É muito comum utilizar caseína ou albumina no processo de clarificação de cervejas e vinhos. Pra descobrir essa informação, é preciso pesquisar antes de ir no supermercado. Saiba mais aqui.

3) Origem do produto

Aquilo que é produzido mais perto da gente costuma ser mais fresco, utilizar menos recursos naturais, como o combustível do deslocamento, e contribuir pra economia local. Por isso, se tiver em dúvida entre duas marcas  de polvilho, por exemplo, espie a cidade onde cada um foi produzido e priorize o que tiver mais perto de você. Por outro lado, a coisa não é tão simples. Produtos de grandes marcas ou ultraprocessados, por exemplo, costumam incluir ingredientes que percorrem grandes distâncias ou até vieram de outros países. Na maioria dos molhos de tomate importados da Itália, por exemplo, vai aparecer “Itália” como local de produção ali no rótulo, mas os tomates usados pela empresa vieram de grandes monoculturas chinesas, como apontou o livro “O império do ouro vermelho,” de Jean Baptiste Marlet.

4) Data de validade

Alguns supermercados criam setores especiais com desconto pro que está perto de vencer, o que é ótimo, porque evita o desperdício. Além disso, use a sua bagagem cultural pra avaliar se a validade do produto faz sentido. Por exemplo: se você já comeu um pão ou bolo feito em casa, sabe que eles logo ficam duros e secos, né? Então desconfie de produtos como pães e bolos industrializados feitos pra durar 15 dias, 1 mês ou até mais. Isso só acontece porque tem muitos aditivos e maquiagens ali. E, claro, muitas empresas já entenderam isso e não informam a data de fabricação, só o número do lote, e a validade (porque é obrigatório), justamente pra gente não ter noção do quanto o produto é distante da versão caseira.

5) A tabela nutricional

Essa costuma ser a parte que a gente menos entende do rótulo, né? Até pela quantidade de números, que costuma assustar. Mas no fundo é mais simples do que parece. As empresas são obrigadas a informar, em formato de tabela, a quantidade de calorias (valor energético), carboidratos (aqui entram os açúcares), proteínas, gorduras totais (saturadas, insaturadas e trans), fibras e sódio. Se o produto que você comprou tem linhaça ou vitamina A adicionada, por exemplo, deve aparecer a porcentagem de ômega 3 e da vitamina também. Não deixe de espiar com cuidado a quantidade da porção referente a esses nutrientes. Muitas vezes, a quantidade de açúcar pode parecer baixa pra você, mas é porque se refere apenas a uma pequena porção do produto. Lembra da questão do sódio na pizza da Sadia, né?

Tem outros dois pontos que podem causar confusão sobre a tabela nutricional dos produtos. Primeiro, as informações por porção não nos ajudam a comparar um marca e outra porque cada uma pode registrar uma porção diferente na tabela. Exemplo: uma barra de chocolate pode apresentar uma tabela nutricional referente à ¼ de barra, mas outra empresa semelhante coloca as informações nutricionistas pra cada ½ barra. Entende? Por último, tem o ponto do “%VD”, que é a porcentagem de valores diários elaborados com base em uma dieta de 2 mil calorias. Mas a gente sabe que essa não é a necessidade nutricional de todo mundo, né? Cada corpo é um corpo.

6) Destaques obrigatórios nos rótulos


T de transgênico: A legislação brasileira determina que as empresas precisam colocar o triângulo com o T, indicando a presença de qualquer ingrediente transgênico (geralmente derivados do milho ou soja) quando a porcentagem dele no produto for maior do que 1%. Isso faz com que muitas empresas escapem, como muitas margarinas. Mas, uma ação do Idec e do Ministério Público Federal levou a Justiça Federal a decidir que todos os produtos que contêm transgênicos devem ter o alerta no rótulo, não importa a porcentagem. No entanto, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos continua pressionando judicialmente e o caso não tá encerrado. A gente precisa ficar de olho nisso pra não perder o nosso direito de saber o que comemos! 

Mesmo assim, muitas empresas não apresentam o triângulo de alerta. O Idec fez uma estudo onde avaliou 83 produtos do supermercado que contêm milho ou soja (como milho em conserva, farofa de milho, bebidas de soja, cervejas, margarinas, etc), e concluiu que 67% deles não tinham o alerta do T na embalagem. Estranho pra um país onde 88% do milho e 93% da soja vêm de sementes transgênicas, né? Saiba mais aqui. E se você não sabe o que são os transgênicos e os seus problemas, espia aqui. Tá longe de ser uma discussão apenas sobre saúde.

Alergias alimentares: não é marketing. As empresas precisam informar se o seu produto pode ser um risco pra quem sofre das alergias mais comuns: a ovos, leite, amendoim, trigo (glúten), castanhas, soja, aveia, centeio (glúten), cevada (glúten). É por isso que embaixo da lista de ingredientes sempre tem a informação “não contém glúten”, por exemplo. E se existe risco de contaminação cruzada, ou seja, se a empresa manipula o produto no mesmo lugar onde manipula os possíveis alergênicos, ela é obrigada a informar em caixa alta também: “pode conter traços de leite etc.”. Agora, se a empresa quer destacar isso bem grande na parte da frente do produto, é uma escolha dela como estratégia de venda, o famoso marketing. Não dá pra negar que tirar o glúten e o leite virou um modismo alimentar, né? Associado à ideia de emagrecimento. As empresas sabem disso.

Se a empresa destacar as informações sobre os ingredientes potencialmente alergênicos também em outro lugar da embalagem, como nesse produto, é uma escolha dela como estratégia de marketing.


Pra saber mais sobre as informações que são obrigatórias nos rótulos alimentícios, acesse as leis básicas na íntegra:

RDC 359/2003 (porção);

RDC 360/2003 (rotulagem nutricional);

RDC 54/2012 (alertas frontais na rotulagem);

RDC 26/2015 (alergênicos);

Lei nº 10.674/2003 (glúten).

A armadilha do “sem lactose”! Desde 2019, as empresas são obrigadas a informar a presença de lactose nos alimentos. É lei! Isso vale para alimentos com mais de 100 miligramas de lactose para cada 100 gramas ou mililitros do produto. Ou seja, a lei exige que qualquer alimento que contenha lactose em quantidade acima de 0,1% deverá exibir as frases “baixo teor de lactose” (até 1% de lactose) ou “contém lactose” na embalagem. Com essas regras, o mercado brasileiro de alimentos tem três tipos de rotulagem para a lactose: “zero lactose“, “baixo teor de lactose”, ou “contém lactose”.  Agora, os “sem lactose” ou “lactose free”, ou “zero lactose” viraram uma das grandes armadilhas da história da indústria de alimentos. E por isso esse assunto vai ganhar um post só sobre ele em breve!

Em resumo: os alimentos lactose free continuam os mesmos de antes, como um leite de caixinha ou um iogurte, só ganharam a adição da enzima lactase pra digerir a lactose do produto. Ou seja, na verdade, uma informação mais clara que o consumidor deveria receber, na minha opinião, seria: “contém lactase”. E mais: a legislação exige que as empresas não ultrapassem uma quantidade  máxima da enzima lactase a cada 100ml do produto. Só que isso faz com que nem toda a lactose seja digerida em muitos casos. Resultado: pessoas intolerantes e alérgicas ao açúcar do leite de vaca continuam passando mal ao consumir alguns desses alimentos. Fora isso, tem a questão de que não é claro pro consumidor que o produto continua sendo feito à base de leite de vaca. Sempre que falo desse assunto, muita gente me escreve surpresa, porque comprava produtos “sem lactose” tendo a certeza de que todos são de origem vegetal. 

7) O que o marketing pode fazer no geral

“Baixo em açúcares”: Pra empresa poder destacar essa informação na embalagem, o alimento pode ter no máximo 5 gramas de açúcar por 100g ou ml do produto pronto. Ou seja, aí a galera do suco em pó, como Tang, deita e rola. Quando a gente olha a lista de ingredientes, açúcar lidera. Mas como o pó vai ser diluído em 1 litro de água, a legislação permite. 

“Fonte de vitaminas”: Nossas leis permitem que a indústria de ultraprocessados sambe à vontade aqui. As empresas adicionam fibra e vitaminas pra tentar persuadir as pessoas e maquiar o fato de seus produtos serem “fake”, cheios de corantes e aromarizantes. Até Nescau e Danoninho tem “rico em vitaminas” na embalagem. Lembra? Hambúrgueres atochados em gorduras, sódio e conservantes também sempre têm embalagens lindas destacando uma chuva de nutrientes adicionados como vitamina B12. E, claro, elas destacam essas informações em letras grandes, coloridas, na frente da embalagem. Sim, essas informações precisam estar na tabela nutricional, mas as marcas podem ressaltar conteúdos apelativos desse tipo como quiserem.

“Alto teor de fibras”, “rico em fibras” ou “fonte de fibras”: Lá vem mais uma bomba. A gente acha que tá comprando um biscoito de aveia maravilhoso, cheio de fibras, né? Pelo menos é o que tá dito ali no rótulo. Porém, para poder informar “alto teor de fibras” ou “rico em fibras” na embalagem, o alimento deve conter pelo menos 5 gramas de fibras por porção que consta lá na tabela nutricional. Se tiver abaixo disso, a empresa só pode usar “fonte de fibras” nos produtos que contêm pelo menos 2,5 g do nutriente por porção. Só isso já é uma confusão imensa pra quem tá comprando, né? Mas piora, porque as empresas não seguem direitinho. Um estudo do Idec apontou que, em 2016, os biscoitos Nesfit Original, Nesfit Aveia e Mel (Nestlé) e Sublime Original Cream Cracker Integral (Panco) declaravam ser “fonte de fibras”, mas não continham a quantidade de fibras exigidas para tanto – tinham entre 1,6 g e 1,8 g do nutriente por porção. Saiba mais aqui.

“Integral”: A resolução 263/2005 da Anvisa, que regulamenta produtos à base de cereais, amidos e farinhas, não traz nada sobre isso até o momento. Mas, finalmente, a Anvisa começou a se mexer pra estipular critérios pras marcas usarem o termo “integral” no rótulo e a decisão deve sair até setembro desse ano. Pela proposta da Anvisa, os pacotes só poderão apresentar no rótulo a palavra “integral” se tiverem pelo menos 30% dos ingredientes integrais e se essa quantidade de integrais for maior que a quantidade dos ingredientes refinados. Vamo aguardar a decisão!

“Caseiro”, “artesanal”, “tradicional” e “natural”: Aqui está uma das coisas que mais me incomodam! Não temos uma legislação que exija alguns critérios pras empresas destacarem essas informações nos rótulos. Isso faz com que pães que duram 1 mês e têm 8 linhas de conservantes na lista de ingredientes possam estampar “caseiro” bem na frente da embalagem. É inacreditável!

8) O que o marketing NÃO pode fazer

Induzir ao erro ou a uma informação falsa: como o caso dos “sucos” que não contém frutas, mas estampam o desenho de frutas na embalagem, ou dos “sucos” que informam que possuem “gominhos naturais da fruta”, o que não é verdade. 

Indicar propriedades que não existem ou não pode ser comprovadas: como afirmar que tal produto reduz as chances de doenças cardíacas.

Indicar que o produto possui propriedades terapêuticas ou medicinais: é proibido informar coisas como “previne osteoporose”…

Destacar a presença ou ausência de componentes próprios dos alimentos: como dizer que um óleo é livre de colesterol, uma vez que todos do mesmo tipo são. O correto é informar: “óleo sem colesterol, como todo óleo vegetal”.

Agora imagina ir no supermercado e enxergar realmente aquilo que as marcas tentam esconder? E isso é possível, se a gente tiver um modelo de advertências nos rótulos como o Chile, Peru, Uruguai e México.

Um estudo da Universidade do Chile, elaborado em parceria com a Universidade Diego Portales (Chile) e a Universidade da Carolina no Norte (Estados Unidos), apontou uma redução surpreendente no consumo de bebidas adoçadas e cereais matinais. Depois dessa advertência, no nosso vizinho chileno as compras de bebidas com alto teor de açúcar caíram 25% e o de cereais açucarados, 14%. Saiba mais aqui.

Então vamos aproveitar que a Anvisa, aqui no Brasil, tá prestes a divulgar um novo modelo de rotulagem e pressionar pra que seja esse na mesma linha dos nossos vizinhos, considerado mais eficaz?

Converse com as pessoas ao seu redor, assine essa petição e pressione a Anvisa nas redes sociais: @anvisaoficial@anvisa_oficial/AnvisaOficia/AudiovisualAnvisa.

Esse conteúdo foi escrito por mim, Juliana Gomes e contou com o apoio financeiro do Idec. A nutricionista Vanessa Mello Rodrigues, integrante junto comigo do Núcleo Santa Catarina da Aliança pela Alimentação Saudável e Adequada, também me ajudou com as leis e com mil dúvidas. Como eu enchi o saco dessa mulher! hahaha Esse texto também faz parte de uma série de posts sobre análise de rótulos. Vem aí, em breve, um específico sobre aditivos químicos.

fONTE:http://comidasaudavelpratodos.com.br/de-olho-na-industria/como-analisar-rotulos-parte-1/

COMO ANALISAR RÓTULOS – PARTE 2 (ADITIVOS ALIMENTARES)

Quando comecei essa série sobre análise de rótulos, recebi dezenas de mensagens assim “mas e a periferia?”, “e as pessoas que não têm poder de escolha?”. A gente precisa ter noção das desigualdades desse país, sem dúvida, mas também precisa cuidar pra não reproduzir uma lógica colonizadora e preconceituosa. Quem disse que as pessoas periféricas, com toda a sua diversidade, não tão buscando informação e construindo as suas próprias saídas?

E outra. Eu sempre ressalto que escolhas individuais não transformam o mundo, viu? Não votei no Partido Novo. hahahaha Então eu não defendo que todo mundo compre a sua couve orgânica, tempere seu yakissoba com molho shoyu natural e seremos felizes pra sempre. Eu mesma que trabalho com esse tema, tenho acesso a orgânicos, cozinho horrores, ainda consumo algumas coisas super industrializadas. E, como já falei mil vezes, o convívio social é importantíssimo pra gente. E eu nunca deixo de ir à casa de alguém ou sentar com pessoas em algum lugar porque ali só tem cerveja de milho transgênico ou catchup com aromatizante.

Em vez da gente entrar numa paranoia de busca por uma alimentação perfeita, porque ela não existe e isso pode levar a transtornos alimentares, que tal fazer o nosso possível e nos juntarmos pra mudar as questões mais estruturais? Em casa a gente pode pensar na ideia de “reduzir danos”, dentro dos nossos limites de tempo, renda, etc. Fora isso, partimos em busca das transformações mais estruturais, como acabar com as isenções de impostos pra indústria de refrigerantes; aprovar os alertas nos rótulos; criar políticas de apoio aos agricultores familiares e agroecológicos (pra reduzir o preço dos alimentos mais saudáveis); aprovar e fazer cumprir leis mais rigorosas pra grande indústria. Beleza?

Resumindo: minha intenção aqui não é fazer terrorismo. Não é pra você ter um ataque de pânico a cada ida ao supermercado, muito menos sentir repulsa dos produtos alimentícios, viu?

Enfim, bora começar. Se você ainda não leu o primeiro texto dessa série, espia aqui pra não ficar comendo mosca e não passar mais perrengue na hora de decifrar uma embalagem de comida. E agora chegou o momento de entrarmos no submundo daqueles nomes estranhos que aparecem na lista de ingredientes: os aditivos alimentares. Aliás, obrigada, Idec, por estar junto comigo nessa mais uma vez!

Deixa só eu fazer mais um parênteses rapidão. Ninguém vai comer menos corante caramelo IV enquanto não tivermos uma divisão justa de tarefas domésticas. Chega de sobrecarregar as mulheres com a carga mental da alimentação da família. Já deu! 2020! O 5G tá aí. Tá cheio de gente que veste o boné da reforma agrária, critica os impactos ambientais gerados pelas mega corporações, mas que nunca picou uma cebola ou não faz ideia do que tá faltando na geladeira.

O que são os aditivos, exemplos e funções

Vamo pro começo desse papo então. Sabe quando você olha pra uma lista de ingredientes de qualquer coisa, como um óleo de girassol, um pão de fatia ou um pote de sorvete e encontra vários nomes estranhos, alguns que até acompanham uns números às vezes, e você se sente nas aulas de química do colégio? Então: esses são os nossos amigos aditivos alimentares, também conhecidos como “aditivos químicos”.

Até o momento a Anvisa já aprovou o uso de 315 deles nos alimentos brasileiros. Eles tão nos pacotes, garrafas, vidros e caixinhas com vários objetivos: fazer o produto durar mais tempo, ganhar uma cor mais bonita, um cheiro mais atrativo, uma textura mais macia, mais encorpada, regular a acidez, pipipi popopó.


E é muito importante entender algumas funções básicas deles pra não cair em roubadas ou achar que todos são monstruosos. Não são. Um regulador de acidez, como o acidulante ácido cítrico, muito comum em molhos de tomate, até naqueles mais naturais, é incomparavelmente mais seguro e ok do que um corante artificial, entende? Além de evitar o máximo de aditivos na alimentação, a gente precisa ter mais atenção com esses da lista acima que fazem parte da categoria “transformadores”. Peraí que já vou explicar melhor.

Não tem nada de errado em querer fazer os alimentos durarem mais, ter um aspecto mais colorido ou uma textura mais homogênea. A gente já usa ingredientes naturais pra mudar as características dos alimentos ou conservá-los por mais tempo há milhões de anos, né? O açúcar faz a geleia durar meses, o sal faz as carnes não estragarem tão rápido fora da geladeira e o inhame, principalmente cozido, atua como um espessante natural em sopas, cremes, vitaminas, doces, coberturas de bolos. Quem nunca jogou um pouco de urucum ou cúrcuma pra deixar a farofa menos pálida? Os dois são corantes naturais, assim como a beterraba.

Pode reparar que um mesmo produto, com preços bastante similares, como as azeitonas, pode ter um número menor ou imenso de aditivos, depende da marca.

O pulo do gato nesse assunto é o OBJETIVO da empresa ao usar os aditivos químicos nos alimentos. Esses que pertencem à categoria dos “transformadores”, como corantes, aromatizantes, realçadores de sabor, melhorador de farinha, tão ali pra contar mentirinhas, pra fazer de conta que o conteúdo daquela embalagem se parece com algo que a gente já conhece. Por exemplo: todo mundo sabe o que é um sorvete de chocolate, né? As bonitonas da empresas querem gastar o mínimo de grana possível pra fabricar o negócio. E assim ter um lucro maior. E aromatizante e corante caramelo são muito mais baratos do que usar cacau em pó ou um chocolate em barra. Então a empresa diz que ali tem chocolate, mas só tem produtos químicos que fazem de conta que são chocolate.

A mesma coisa acontece com um hambúrguer vegetal ultraprocessado. Ali não tem “lentilha” ou “ervilha”, ou “feijão”, como a versão que a gente faz em casa. Tem apenas a proteína isolada dessas leguminosas + muita gordura pra dar textura + 2 milhões de aditivos pra ajudar com sabor, cor, maciez… É por isso que eu amo chamar os alimentos ultraprocessados de “mentiras empacotadas”. A gente consegue decifrar quão fake é aquele produto só pela quantidade de aditivos ou alguns específicos, que escancaram a falsidade.

Na minha humilde opinião, “aromatizante” é uma coisa que já entrega a qualidade do produto, né? Tento ao máximo não comprar nada aromatizado artificialmente porque acho um grande desrespeito, um despautério, uma afronta à diversidade de temperos e alimentos maravilhosos que temos no Brasil. Mesma coisa com os realçadores de sabor, mas peraí que vem um tópico só sobre eles aí embaixo.

Resumindo, o principal que você precisa saber até agora é que nem todo aditivo é o fim do mundo e eles costumam aparecer de forma mais abundante nos ultraprocessados, que são aqueles alimentos muito distantes do que a gente reconhece como comida, tipo miojo, refrigerante, suco de pozinho, gelatina, salgadinhos… E lembra que a gente já tinha mil motivos antes pra evitar os ultraprocessados, né? Excesso de sal, açúcar, gorduras, as grandes empresas por trás deles, a quantidade de recursos naturais usados pra fabricar essa galera… Beleza?

Pra fechar essa parte, existem duas definições oficiais de aditivos alimentares.

Definição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do Ministério da Saúde: “aditivo alimentar é qualquer ingrediente adicionado intencionalmente aos alimentos, sem propósito de nutrir, com o objetivo de modificar as características físicas, químicas, biológicas ou sensoriais (…)”.

Definição da Organização Mundial de Saúde (OMS): “qualquer substância que enquanto tal não se consome normalmente como alimento, nem tampouco se utiliza como ingrediente básico em alimentos, tendo ou não valor nutritivo, e cuja adição intencional ao alimento com fins tecnológicos (incluindo os organolépticos) em suas fases de fabricação, elaboração, preparação, tratamento, envasamento, empacotamento, transporte ou armazenamento, resulte ou possa preservar razoavelmente por si, ou seus subprodutos, em um componente do alimento ou um elemento que afete suas características”.

Como aparecem nas embalagens dos alimentos

Os aditivos sempre precisam aparecer no fim da lista de ingredientes das embalagens, é lei! Também na moda encontrarmos rótulos com frases em destaque assim “não contém conservantes”, “livre de aromatizantes”, etc. Isso significa que essa categoria específica não bateu cartão no alimento. Mas não deixa de olhar a lista de ingredientes pra ver se existem outros aditivos.

Muitos produtos também usam o Sistema Internacional de Numeração (INS), principalmente os importados. Então não se assuste se encontrar umas siglas com uns números em vez do nome específico do aditivo químico. Não é armadilha da indústria não! Se uma garrafa de vinho, por exemplo, circula por vários países a empresa precisa informar a função do aditivo + o seu nome ou o seu código INS. Então na lista de ingredientes do vinho, por exemplo, você pode encontrar um aditivo assim: “conservante ácido sórbico” ou “conservante INS 200”. É a mesma coisa.

Por que se preocupar

Como já falei aí em cima, o grande número de aditivos já denuncia que se trata de um produto ultraprocessado. E lembra que o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde (saudades do tempo em que existia ministro da saúde, né, minha filha?) recomenda evitá-los ao mááááximo, sempre que possível.

Mas não é só isso. Por mais que alguns engenheiros de alimentos, gastrônomos e umas pesquisas garantam que os aditivos são “seguros”, isso tá longe de ser um consenso científico. Quando eu comecei a estudar esse tema, me lembrei muito da questão das sementes transgênicas, sabia? Porque a lógica absurda é parecida. A gente libera as substâncias porque não existem evidências científicas que comprovem os malefícios do consumo no curto prazo. Mas não deveria ser o contrário? A gente não deveria liberar só aquilo que tivesse certeza absoluta de ser ok?

Os pesquisadores e profissionais da saúde mais críticos ao consumo de aditivos nas bebidas e alimentos têm outro argumento válido: os estudos já publicados só analisam os aditivos isoladamente, mas não combinados num mesmo produto, muito menos o consumo frequente por um longo período. Mas a gente sabe que eles são substâncias que nunca andam sozinhas nos produtos. Então não temos noção do efeito do consumo de 1 edulcorante + 2 aromatizantes + um realçador + um melhorador de farinha juntos.

Pensa aqui comigo. Vamo imaginar um hambúrguer completo. Na lanchonete ou em casa a gente coloca na mesma refeição um pão comprado pronto pra hambúrguer com alguns aditivos + o próprio hambúrguer congelado com corante, aromarizante, etc + catchup com espessante e tal + maionese com antioxidantes, sequestrante… A ciência ainda não apontou que que pode rolar no nosso corpo a partir desse bombardeio de aditivos consumidos juntos, com frequência, por pessoas de todas as ideias.

Outra coisa. E o consumo dessas substâncias em populações mais vulneráveis, que já comem menos alimentos frescos, como frutas e legumes, por causa do preço e da falta de acesso, hein? E que já lideram o ranking de diabetes e hipertensão? Sobre esse tema, recomendo muito que você leia esse texto sobre o nutricídio das pessoas pobres e negras em tempos de coronavírus.

As gerações que vêm deixando de comer comida pra se alimentar de mentiras empacotadas são recentes. E a gente sabe que o consumo desses produtos não para de crescer na América Latina, especialmente nas crianças, né? Então não dá mesmo pra dizer que não tem problema, é tudo seguro, vamo deixar os pequenos comerem toddynho e fangandos em paz! Não!!! Muito menos que tudo isso se resolve apenas com informação e conscientização das pessoas!

Com isso bem claro, bora falar dos aditivos que já tão BEM relacionados a problemas de saúde? A grande maioria pertence ao grupo dos corantes artificiais. De longe, são as substâncias químicas mais preocupantes de acordo com os estudos já publicados. A gente já tem indícios que o consumo regular deles pode causar especialmente doenças estomacais, respiratórias e alergias na pele.

O trio mais preocupante é esse aqui, super presente nas balas, chicletes coloridos, refrigerantes e salsichas: tartrazinao corante amarelo crepúsculo e o corante vermelho 40. Vários países do mundo proibiram o uso deles nos alimentos, já que temos estudos que apontam até um potencial cancerígeno nessa galera aí.

Mas ninguém na família dos corantes é capaz de desbancar a péssima fama do corante caramelo IV, responsável pela cor escura dos refrigerantes à base de cola, por exemplo. O processo de preparo dele não tem nada a ver com o caramelo que a gente faz em casa com açúcar. Ele é feito a partir da mistura do açúcar com elementos ácidos e amônia submetidos a grande pressão e alta temperatura. Daí que surge a cor escura junto com vários subprodutos prejudiciais à saúde.

O Programa Nacional de Toxicologia dos Estados Unidos apontou que um dos subprodutos resultados do processo de preparo do corante camarelo IV pode causar câncer de pulmão, fígado, tireóide e leucemia. Por conta desse potencial cancerígeno, a Anvisa exige que as empresas brasileiras não extrapolem 200 miligramas dessa substância em cada quilo de alimento. Mas essa quantidade ainda é quase 700 vezes maior do que a permitida na Califórnia (EUA).

Pra você ver, né? Não somos o lixo tóxico do mundo apenas quando o assunto é agrotóxico. Um teste feito por um instituto dos Estados Unidos com latas de Coca Cola vendidas em diversos países mostrou que aqui, a terra da mandioca, esse refrigerante ostenta a maior concentração da substância potencialmente cancerígena presente no corante caramelo IV. E a gente tá muito acima do Quênia, que ficou em segundo lugar. É surreal! Saiba mais detalhes aqui.

Pra fechar esse quadro desesperador, vamo pra outra categoria de aditivos agora. Um estudo da Universidade de Southampton, na Inglaterra, apontou que o consumo de benzoato de sódio, um conservante super comum, além dos derivados do ácido benzóicoos sulfitos e os ácidos sulfúricos, podem ajudar no desenvolvimento de hiperatividade e déficit de atenção em crianças.

Observação: as informações sobre a relação dos aditivos e problemas de saúde foram tiradas desse estudo da Fiocruz em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Clique aqui pra acessá-lo.

O caso dos edulcorantes (adoçantes artificiais)

Adoçantes são combinações de edulcorantes usados pra adoçar alimentos ou remédios. Até os anos 1970, mais ou menos, eram um tipo de produto consumido apenas por pessoas com necessidades nutricionais especiais, como os diabéticos. Mas você acha mesmo que a indústria das dietas, dessa onda fitness, não viu um potencial bilionário nesse mercado?

Começou com o modismo dos produtos light e diet. E minha deusa! Como eu torrei meu dinheiro com isso! Depois ficou feio e cafona falar “light” e virou “zero”. Mas agora parece que cada mês vem uma novidade adoçantística. A última é a moda do xilitol e do eritrol, né? E não aguento mais gente dizer que não come 1 pedaço de bolo com açúcar, mas depois come a torta inteira só porque tem xilitol.

No geral, não há consenso científico sobre os perigos dos edulcorantes, mas também não sabemos se são seguros quando associados a outros aditivos químicos. O aspartame segue sendo demonizado aqui, com estudos apontando potencial cancerígeno, e defendido ali. Também já temos indícios de que manitol, xilitol e sorbitol podem gerar perda de cálcio no corpo e favorecer a formação de cálculos renais.

Outra informação importante é que gestantes, hipertensos e portadores de problemas renais precisam ter o dobro de cuidado com o uso dessas substâncias. Elas possuem MUITAS contraindicações, ok? E aquela coisa, né? Se você não tem problemas de saúde, não tem por que trocar um pouco de açúcar por adoçantes. Além de que temos uma oferta gigantesca de frutas, ervas e temperos que também potencializam o sabor doce nos alimentos. Quer fazer um bolo com pouco açúcar? Usa banana bem madura também. Quer adoçar um suco de uma fruta muito azeda? Bata uma maçã junto. O chá de erva doce e o de chá de estévia também trazem o sabor adocicado.

Para informações mais completas sobre os edulcorantes, clique aqui.

A polêmica do glutamato monossódico

Esse bonitão aí rende um livro, mas vou tentar resumir ao máximo. Não existe nenhum aditivo químico mais comentado do que o glutamato, né? Aquele pó branco da empresa Ajinomoto presente no sazón, caldo knoor, na maior parte das marcas de molho shoyu, em salgadinhos, etc.

A má fama dele começou por um péssimo motivo: xonofobia. Sim, até hoje os Estados Unidos inventam formas de demonizar a China. E foi a terra do Trump que começou a onda xenófoba da “síndrome do restaurante chinês.” A galera começou a dizer que sempre sentia fraqueza, suor, dor de cabeça ou tontura quando comia em restaurantes de yakissoba e amigos. O motivo? O uso do tal glutamato monossódico. Mas esse povo esqueceu que já comia muito glutamato em diversos produtos ultraprocessados.

Enfim, pesquisar o glutamato monossódico de forma isenta e imparcial é um ato de coragem! Isso porque sua indústria bilionária faz muita pressão e financia muita produção científica no mundo todo. Você já ouviu essa história antes, né? Mesma coisa que a Coca e a Nestlé fazem. Só a Ajinomoto patrocina pesquisas de mestrado e doutorado, banca congressos e entrega prêmios científicos. Até pouco tempo atrás a Ajinomoto financiava teses da Faculdade de Saúde Pública da USP. É inacreditável!!

Mas, enfim, o glutamato tá na mesma linha do aspartame: não há consenso até hoje. Os estudos que geraram indícios de problemas decorrentes do seu consumo citam doenças respiratórias e do sistema nervoso, especialmente em recém-nascidos e pessoas com histórico de doenças. Por outro lado, os trilhões de pesquisas bancadas pela indústria garantem que ele só é perigoso se usado em doses exorbitantes. Só que e a questão de consumirmos o bonitão combinado com outros diversos aditivos, hein? Não sabemos!

Pra fechar, conversei com vários nutricionistas sobre o assunto e a opinião da galera foi unânime: a gente deve evitar ao máximo as coisas com glutamato ou outros realçadores de sabor. Os motivos?

1) Eles nunca vêm sozinhos. Sempre tão juntos de outra dezena de aditivos;

2) De todos os aditivos mais comuns, essa categoria é a mais hiperpalatável, ou seja, gera muito prazer no paladar. Esses realçadores fazem artificialmente a função do sabor “umami”, né? Aquele que faz todos os sabores harmonizarem na nossa língua. Taí outro pulo do gato. Quando a gente come muitos alimentos ultraprocessados, com esses realçadores artificiais combinamos a muita gordura, sal e açúcar, o nosso paladar se acostuma, ama, e quer pedir sempre mais, mais mais. Pra piorar, começaremos a estranhar os alimentos mais naturais, achar sem graça, pouco temperado.

Parece que eu acabei de descrever a minha infância! hahaha Eu comia muito, mas muito miojo (cheio de realçadores de sabor). Aí quando ia comer um simples macarrão com molho de tomate caseiro, achava que era comida de hospital.

Enfim, pra saber mais detalhes sobre as polêmicas que envolvem o glutamato e o modismo da comida com “umami”, espia essa reportagem excelente do Joio e o Trigo.

Os vinhos industrializados

Sim, o vinho que a gente bebe hoje não tem nada de artesanal e romântico. Tá cheio de aditivos. Alguns, inclusive, nem precisam aparecer na lista de ingredientes de acordo com as legislações da Anvisa. Mas não vou entrar em detalhes aqui porque esse texto tá gigantesco já, porque bebidas não são o meu objeto de estudo no Comida Saudável pra Todos e tem bastante conteúdo sobre isso na internet. Recomendo começar por esse aqui, do site Gastrolândia, da jornalista Ailin Aleixo.

É isso! Acabamos por hoje. O próximo texto da série vai ser sobre processos e alimentos que a gente não consegue entender só pelos rótulos, como “água de coco reconstituída“, “açúcar invertido” e “proteína isolada“.

E não esquece, né? A gente tá junto aqui. No Instagram. No supermercado. Nas feiras e na construção de outro sistema alimentar.

Observação: Além de agradecer o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec, que me ajudou a elaborar e financiou esse texto, deixo um abraço especial pras nutricionistas Roberta Machado, que me mandou vários estudos e pra Cris Maymone, que sempre me ajuda a não falar bobagem.

Fonte:http://comidasaudavelpratodos.com.br/de-olho-na-industria/como-analisar-rotulos-parte-2-aditivos-alimentares/


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