Alergia Alimentar — Existem Novidades?
Reveja os testes, os fatores para diagnóstico, a classificação e os tratamentos das alergias alimentares em pediatria.
Diagnosticar alergias alimentares pode ser complicado e traiçoeiro. Com o aumento da gama de exames disponíveis para auxiliar nesse processo e com o aumento da prevalência dessa condição, esse desafio tem se tornado cada vez maior. A equipe PortalPed lhes oferece uma breve revisão sobre esse assunto, elaborada pela nossa nova colaboradora, Dra. Márcia Buzolin, imunopediatra pela UNICAMP.
A prevalência das alergias alimentares tem aumentado nas últimas décadas, bem como o acesso a exames para avaliação de alergia. Estimativas atuais apontam uma prevalência entre 2–10% na população, sendo mais frequentes em crianças do que em adultos [1]. Entretanto, a percepção de alergia por parte das famílias é muito maior do que essa estatística. Um estudo de coorte envolvendo mais de 3.500 crianças demostrou que 35% dos pais consideravam que seus filhos tinham reações associadas a alimentos [2]. A exclusão desnecessária de alimentos pode ter graves consequências, como a desnutrição [3], e por isso é essencial o diagnóstico adequado de alergia alimentar.
As alergias mais frequentes em crianças pequenas estão relacionadas às proteínas do leite e do ovo. Em crianças mais velhas, tornam-se mais comuns também as alergias a amendoim, nozes e frutos do mar [4].
MAS O QUE É ALERGIA ALIMENTAR?
Alergia alimentar é uma “resposta imunológica adversa reprodutível que ocorre à exposição de um dado alimento, que é distinta de outras reações alimentares, tais como intolerância alimentar, reações farmacológicas e reações mediadas por toxinas” [3].
As reações adversas a alimentos podem ser divididas em:
- imunomediadas, a qual inclui a alergia alimentar,
- não imunomediadas, que incluem, por exemplo, a intolerância à lactose (FIGURA 1).
CLASSIFICAÇÃO DAS REAÇÕES A ALIMENTOS
As manifestações alérgicas podem ser divididas em IgE mediadas, mistas e não IgE mediadas (tabela1).
Reações IgE mediadas
Têm início rápido, de poucos minutos após o contato até aproximadamente 2 horas e incluem:
- urticária,
- angioedema,
- tosse,
- prurido nasal e
- espirros.
De modo geral, as manifestações cutâneas são mais frequentes. Apesar de haver a possibilidade dos sintomas respiratórios serem observados durante um episódio de reação a alimento, sintomas respiratórios crônicos como asma e rinite não são tipicamente associados à alergia alimentar [5].
Reações mistas
São exemplos:
- a esofagite eosinofílica,
- a gastroenteropatia eosinofílica,
- a dermatite atópica e
- a asma.
As manifestações clínicas são decorrentes de mecanismos mediados por IgE, com participação de linfócitos T, eosinófilos e citocinas pró-inflamatórias e mecanismos celulares complexos demonstrados pela presença de linfócitos CD8 no epitélio [6].
Reações não IgE mediadas
As manifestações não IgE mediadas são mais tardias, com início várias horas após o contato com os alérgenos, e com frequência acometem o trato gastrointestinal. Seu mecanismo de ação não é plenamente conhecido, sugerindo o envolvimento de células T [7,8].
TABELA 01. Mecanismos e manifestações de alergia alimentar (10)
MECANISMO | MANIFESTAÇÕES |
Mediado por IgE |
|
Mistos |
|
Não Mediados por IgE |
|
COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO DE ALERGIA ALIMENTAR?
A avaliação da suspeita de alergia alimentar inicia-se com anamnese e exame clinico [11]. Um recordatório de alimentação e atividades pode ser útil para auxiliar na identificação da causa de manifestações alérgicas.
Exames complementares, como a detecção de IgE específico, podem ser realizados. Mas o padrão ouro para a detecção de alergia alimentar é o teste de provocação oral [3].
QUAIS EXAMES PODEM SER FEITOS?
Para a avaliação das alergias IgE mediadas, procuramos a avaliação de IgE específico sérico (in vitro) ou cutâneo (in vivo).
Prick test ou teste cutâneo de leitura imediata
Consiste na aplicação de gotas dos alérgenos na superfície volar do antebraço do paciente, onde são feitas punturas com lancetas específicas para o procedimento — o teste será considerado positivo quando ocorrer a formação de pápula e halo de eritema após cerca de 15–20 minutos.
O teste deve ser realizado com a presença de um controle positivo (histamina) e controle negativo (soro fisiológico) [12].
IgE sérico in vitro
A determinação de IgE in vitro, feita por coleta de sangue, é muito útil quando a possibilidade do exame in vivo não é possível, como nos casos de dermografismo, quadro de dermatite extensa ou o uso continuo de anti-histamínicos [5].
Dosagem de IgG para alimentos
A utilização de métodos diagnósticos que utilizem a mensuração de IgG contra proteínas alimentares não apresenta respaldo científico. Os resultados positivos não devem ser interpretados como indício de alergia e, consequentemente, não se pode estabelecer dietas restritivas de qualquer alimento com base neste tipo de teste. [9,13]
A PRESENÇA DE IGE ESPECÍFICO FAZ O DIAGNÓSTICO DE ALERGIA?
Não.
ALERGIA VERSUS SENSIBILIZAÇÃO
A presença de IgE especifico indica somente a sensibilização do paciente a determinado alérgeno. Isso quer dizer que os pacientes podem apresentar IgE específica para alérgenos, como por exemplo alimentos, e não apresentarem sintomas com o seu contato e/ou ingestão. A sensibilidade dos testes cutâneos é maior que 90%, enquanto os testes in vitro podem ter sensibilidade de 70–90%. No entanto, a especificidade é menor que 50% [11].
Deve-se evitar realizar grandes quantidades de testes desnecessariamente, baseando-se a investigação na história clínica, idade e nos hábitos do paciente [14].
CONSIDERAÇÕES DA ALERGIA ALIMENTAR NA DERMATITE ATÓPICA
Pacientes com dermatite atópica com frequência apresentam níveis elevados de IgE, levando à possibilidade de exames falso-positivos. Estudos recentes sugerem que precisamos tomar algumas precauções na avaliação e orientação de dietas de restrição nesses pacientes. Paciente com sensibilização a alimentos (que apresentam IgE sérica ou teste cutâneo positivos), quando submetidos a dieta de restrição desse alimento, podem passar a apresentar sintomas IgE mediados quando o alimento for reintroduzido. Se o alimento for excluído por um longo período (acima de 8 semanas), deve-se considerar a reintrodução em ambiente adequado e sob supervisão médica [15].
TRATAMENTO DA ALERGIA ALIMENTAR
O tratamento da alergia alimentar baseia-se na restrição alimentar e tratamento de exposições acidentais [4].
Restrição alimentar
A primeira linha de tratamento na alergia alimentar ainda é a dieta de restrição [9,16,17]. Os pais devem ser orientados sobre a leitura de rótulos. A campanha “Põe no Rótulo”, por exemplo, auxiliou na obtenção de maior clareza na elaboração dos rótulos dos alimentos, que atualmente devem disponibilizar no rótulo dos produtos se “contém” ou se “podem conter” os principais alérgenos alimentares.
Plano de emergência
Os pacientes com alergias IgE mediadas, que apresentam inícios rápido e podem ser potencialmente fatais, devem ser orientados pelo seu médico ou alergista em relação a como proceder em caso de contato ou ingestão acidental com o alimento [18].
Imunoterapia
A imunoterapia consiste na administração de doses progressivamente maiores do alérgeno, permitindo que o paciente passe a tolerar o alimento. Esse processo tem mostrado resultados promissores, apesar de alto índice de reações adversas [19].
TRATAMENTO DAS REAÇÕES
O tratamento das reações alérgicas a alimentos dependerá do mecanismo envolvido e das manifestações observadas.
Reações Ige mediadas
Adrenalina — como já falado em outro texto, a adrenalina é a droga de primeira escolha para o tratamento de anafilaxia [20].
Anti-histamínicos — têm inicio de ação lento e pouca ação nos sintomas respiratórios. Sua maior indicação é no tratamento de manifestações cutâneas.
Corticoides — têm seu inicio de ação em 4–6 horas. Não devem ser usados como primeira linha de tratamento em reações graves. Podem auxiliar na prevenção de manifestações tardias ou bifásicas, mas não têm ação nas reações imediatas [21].
Reações Não IgE mediadas
Aqui estão incluídas diversas doenças, com fisiopatologias distintas e tratamentos específicos. Deixaremos a abordagem individualizada destas patologias em posts futuros.
VACINAS E ALERGIA ALIMENTAR
A vacina de gripe (Influenza) e a tríplice viral (sarampo-caxumba-rubéola) não são contraindicadas em pacientes com alergia a ovo [22,23]. No caso da vacina de febre amarela, há contraindicação relativa nos pacientes com alergia ao ovo, e um especialista deve ser consultado [17,23].
QUAL É A EVOLUÇÃO DA ALERGIA ALIMENTAR?
A maioria das crianças com alergia a ovo e leite apresentará resolução do quadro de alergia. Estima-se que a alergia à proteína do leite se resolva em 87% dos pacientes com 3 anos de vida [24] e, em relação ao ovo, 65% dos quadros poderão se resolver até os 5 anos de idade [25].
No entanto, alergia a amendoim e nozes geralmente perduram na vida adulta.
Crianças com diagnóstico de alergia alimentar devem ser reavaliadas em intervalos regulares, pelo menos anuais, de modo a avaliar a possibilidade de reintrodução do alimento [9].
PONTOS-CHAVE
- Alergia alimentar é uma reação imunomediada reprodutível a um determinado alimento;
- Os testes de alergia com dosagem de IgE, in vitro ou in vivo, apresenta alta sensibilidade, porém baixa especificidade, ou seja, resultam em muitos falso-positivos;
- A utilização de dosagens de IgG para alimentos não tem respaldo científico;
- Pacientes sensibilizados a um alimento e submetidos a dieta de exclusão podem, na reintrodução, começar a apresentar reações IgE mediadas, incluindo anafilaxia;
- Vacinas de gripe e tríplice viral (sarampo-caxumba-rubéola) podem ser realizadas em paciente com história de alergia a ovo;
- A adrenalina permanece como primeira linha de tratamento para anafilaxia.
Você já acompanhou ou acompanha algum paciente com alergia alimentar? Tem algo de novo a nos contar? Compartilhe Conhecimento!
Parabéns pela publicação de fácil entendimento
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