Pão artesanal cai no gosto do brasileiro e vira filão de negócio
Interesse pela panificação com insumos naturais explodiu na pandemia e agora estimula o crescimento de pequenos negócios
Por
Carolina Nalin
— Rio de Janeiro
17/03/2024 04h00 Atualizado há 4 semanas
Esqueça o café da manhã na padaria com o típico pão francês de farinha branca recém-saído do forno. A bola da vez é o pão de longa fermentação natural, macio por dentro e crocante por fora — e que passou cerca de 24 horas com a massa descansando até a hora da fornada. Nas esquinas de bairros nobres do Rio e de São Paulo, a multiplicação das padarias artesanais mostra que esse é um filão que conquista novos apreciadores.
As primeiras padarias inspiradas nesse estilo francês de “pão de verdade” começaram a surgir há cerca de dez anos, mas há dois anos o setor passa por uma fase de expansão. Depois de muita gente se aventurar nos pães artesanais em casa na pandemia, a aposta de empreendedores começou no delivery ainda durante o isolamento social.
Agora, o setor vive uma nova onda de negócios com a abertura de mais padarias do gênero, novidades nos cardápios e até o crescimento em escala do que era artesanal, por meio de franquias.
É o caso da padaria Nema, nascida em 2018 em Ipanema, na Zona Sul do Rio, que está prestes a abrir sua vigésima unidade. Os sócios Klaus Allers e Rafael Widholzer decidiram unir suas experiências no mercado alimentício em 2016 e foram em busca de um formato de padaria que unisse preço acessível e ingredientes de alta qualidade. Daí surgiu a Nema, que combina minimalismo com o aconchego dos artigos artesanais frescos.
O sucesso dos pães do tipo sourdough e das pizzas com massa artesanal frescas refrigeradas levou os sócios a planejar a expansão do negócio, que hoje é uma rede com lojas em Rio, São Paulo, Florianópolis e Vitória.
Quatro delas são franquias, estratégia de crescimento que adotaram no ano passado. As duas próximas lojas, também nesse modelo, abrem no Jardim Botânico, no Rio, em abril, e em Fortaleza, em maio.
Segundo os sócios, a chave do negócio está no uso de ferramentas de gestão — como lean manufacturing, TPS (sistema Toyota de produção) e sistemas de gestão da qualidade nas operações.
É o que faz toda a diferença na hora de alinhar a produção do dia com a demanda dos clientes, diz Allers, já que as massas artesanais, digamos, têm o seu tempo. Por isso a expansão da rede não é simples, exige treinamento e supervisão, afirma:
— Todas as lojas produzem os pães, não há uma produção centralizada. Tudo isso para manter o frescor do produto e uma relação mais próxima com o cliente. Mas é uma luta diária para continuar a crescer e manter o negócio sustentado a longo prazo. Estamos começando agora. É o começo de uma história que ainda tem muito caminho para percorrer e muito aprendizado.
‘Hobby’ vira negócio
Em São Paulo, os irmãos Luiz Barros e Antônio Barros são exemplos de muitos empreendedores que começaram na panificação por hobby e acabaram fazendo da atividade seu principal negócio. Inspirados nos pães que a mãe fazia em casa, decidiram botar as mãos na massa durante a pandemia e hoje são donos da Bakehaus, padaria artesanal inaugurada há pouco tempo no bairro Jardim Paulista.
Os dois começaram a assar pães com levain (fermento natural) em casa, para testar, durante o período de isolamento social, num momento em que os trabalhos de cada um (nas áreas de audiovisual e design gráfico) haviam freado.
Foi então que os irmãos reformaram um quarto dos fundos da casa do pai e mergulharam na criação de uma “minicozinha industrial”. Daí nasceu uma micropadaria artesanal, como definem: os pedidos dos clientes eram reunidos ao longo da semana e as fornadas, entregues às quintas e sextas-feiras.
— Quem provava gostava muito, então começamos a acreditar cada vez mais naquilo — conta Luiz.
Passado o desafio de aprendizado do processo de produção, os irmãos foram expandindo o cardápio — que hoje conta com croissants, viennoiseries, pain suisse e outros, além de drinques e cafés — e iniciaram a mudança para a loja física em setembro do ano passado. O retorno tem sido positivo nos últimos três meses, garante Luiz, com pico de vendas na parte da manhã e no fim da tarde:
— Queremos ter mais opções de café da manhã e sanduíches. Estamos fazendo alguns testes (de produtos). Temos um diálogo muito aberto com nosso cliente. Como não viemos desse mercado de cozinha, ir por etapas traz segurança no dia a dia e faz com que a gente vá testando antes de a gente avançar.
Na Tijuca, na Zona Norte do Rio, a Dianna Bakery ganhou uma instalação mais espaçosa em 2022, dois anos após sua abertura. As sócias Dianna Macedo e Teca Cavalcanti trocaram o espaço com foco exclusivo no takeout (o modelo compre e leve para casa), de 40 metros quadrados, para uma loja cinco vezes maior, com dezesseis mesas no salão.
Além das fornadas de pães artesanais — que vão desde focaccia, brioche e sourdough até o danish — o negócio também aposta em doces, incluindo folhado de chocolate e torta de nozes com o mesmo propósito: oferecer itens frescos, sem aditivos químicos e com matéria-prima de alta qualidade.
— Há uma demanda grande pelos pães de longa fermentação. As pessoas estão preocupadas com a alimentação saudável e querem produtos de qualidade — avalia Dianna.
Números do Sebrae confirmam o aumento das padarias no país. São 276,6 mil, segundo dados do mês passado. Em 2019, antes da pandemia, eram 145,6 mil. O levantamento considera pequenas, médias e grandes empresas, além de microempreendedores individuais (MEIs) e microempresas, mas 99% é de pequeno porte.
Segundo Suelen Costa, gerente de projetos de alimentos e bebidas do Sebrae Rio, esse é o tipo de negócio que atrai pequenos empreendedores porque o investimento para a operação é mais concentrado. O essencial são bons fornos e head bakers, como são chamados hoje os padeiros-chefes pelos empresários do setor.
A apresentação e o cardápio variam, mas as padarias artesanais têm em comum o foco no uso de ingredientes mais saudáveis, sem aditivos e no estilo levain, com fermentação natural. É uma tendência global com mais informação e consciência sobre alimentação saudável, avalia Suelen.
No gosto dos jovens
O lado bom é que, com a maior procura, os preços têm ficado mais acessíveis. Em média, uma baguete de 250g custa R$ 15. E a clientela de classe média acaba disposta a pagar um pouco mais pela qualidade frente aos preços dos pães industrializados no supermercado.
Há ainda a aposta em ambientes aconchegantes ou decoração minimalista, além do delivery, que se tornou decisivo para manter a clientela, lembra Suelen. Para quem deseja elevar ganhos, diz, ampliar o leque de opções pode ser o caminho de sucesso:
— A padaria é um lugar que dá pra ter uma proximidade com o cliente, seja porque é perto de casa ou do trabalho. As pessoas costumam usar este lugar como suporte. Por isso, o comerciante pode agregar produtos.
A renovação do cardápio e do ambiente é a estratégia da veterana La Bicyclette, que surgiu em 2007 no Rio. Com uma unidade no Jardim Botânico e outra na Barra, a padaria mantém um bistrô para quem prefere degustar ali mesmo e ainda oferece artigos de mercearia de produtores locais para quem quiser levar acompanhamentos para os pães artesanais.
Em breve, a padaria começa a servir crepes em um food truck estacionado na porta da loja do Jardim Botânico. E os pães de fermentação natural ganharão novos sabores, com nozes, parmesão e tomilho ou cúrcuma com calabresa. O francês Henri Forcellino, que toca o negócio, diz que os pães sem aditivos químicos conquistam principalmente os jovens:
— A busca por alimentação saudável aumentou, e o pão não foge desse processo.
Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2024/03/17/pao-artesanal-cai-no-gosto-do-brasileiro-e-vira-filao-de-negocio.ghtml
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